1) Manutenção da atual dualidade de estatutos jurídicos (instituto vs. fundação)

08-12-2022
I

Suscitam dúvidas quanto ao atual estatuto jurídico das Universidades Públicas. Existe uma dualidade entre institutos públicos e fundações públicas de direito privado no seu modo de dirigir. Ou seja, autonomia administrativa vs. regulação e supervisão por parte do Estado, respetivamente.

Face a este estatuto misto, colocaram-se duas grandes questões: se de facto corresponde ao substrato e natureza das Universidades Públicas; e se tal garante a autonomia orçamental necessária correspondente às necessidades atuais. O que sugere, neste caso concreto, uma descentralização administrativa no sentido impróprio (personalizada).


II

Tanto os Institutos Públicos como as Fundações Públicas de direito privado são regulados pelas suas respetivas Leis-Quadro. Este primeiro trata-se de uma pessoa coletiva pública, de tipo institucional, criada para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas de carácter não empresarial, tendo em conta a definição do Professor Freitas do Amaral. Já a segunda encontra-se subjacente ao regime atual da LQFP. São fundações criadas por entidades públicas, isoladamente ou em conjunto com entidades privadas, embora dotadas de personalidade jurídica de direito público, têm a sua atividade regulada maioritariamente por regras de direito privado. No entanto, as entidades privadas não podem, de modo algum, possuir uma influência dominante (Art. 4º/1 alínea c. LQF), caso contrário poderá ser necessário requalificá-la (Art. 4º/4 LQF). Estas, apesar de denominadas de "Leis-Quadro", não detêm qualquer força jurídica em especial (Art. 9º/2 LQIP) (Art. 112º/3 CRP). O que significa que nada impede que, através de ato legislativo correspondente a lei orgânica, se regule certos aspetos de organização e funcionamento. Tal será importante no momento da introdução das melhorias. Enquadramos estes Institutos Públicos e Fundações públicas de direito privado e as respetivas Universidades Públicas na administração indireta do Estado. Apesar de motivo de debate e divergência doutrinária, que será desenvolvido em diante, este trata-se do regime em vigor. O Estado "devolve" os seus poderes às Universidades não no sentido de retorno, mas como um ato atributivo e de transmissão. Devido a essa mesma transferência de poderes, são dotados de personalidade jurídica própria e de autonomia administrativa (Art. 110º Lei 62/2007) e, neste caso, também financeira (Art. 49º/1 LQF), (Art. 3º/1, Art. 4º/2 e 3, Art. 35º/1 LQIP) e trabalham para um fim, não singular, mas um fim estadual. A atividade desenvolvida é no interesse do Estado, logo é natural que em contrapartida o Estado tenha de ter sobre essas entidades qualquer tipo de poderes de intervenção. E, de facto, possui.

O Estado, mais especificamente o Governo (Art. 199º/d CRP), possui poderes de superintendência (Art. 42 LQIP) e tutela administrativa (Art.41º LQIP) (Art.55º/1).

A tutela administrativa traduz-se "no conjunto dos poderes de intervenção de uma pessoa coletiva pública na gestão de outra pessoa coletiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua atuação", sendo neste caso o Estado o tutelar, e as Universidades Públicas o tutelado. Já a superintendência é normalmente exercida entre duas pessoas coletivas públicas, estas encontram-se na dependência da outra. Visto que tendem alcançar o mesmo fim: neste caso a fruição geral e orçamental do específico estabelecimento público. O Professor Freitas do Amaral aceita a superintendência como uma espécie dotada de natureza própria e autonomia que se diferencia da tutela. Isto porquê? Devido ao facto de não controlar ou fiscalizar a pessoa coletiva subordinada e porque permite uma definição de objetivos e de rumos. Existe de facto uma liberdade administrativa. É, no entanto, importante ter em conta que a Administração não pode exceder os limites legais, estando esta sempre submetida ao princípio da legalidade da administração expresso no Artigo 3º/1 do Código do Procedimento Administrativo.

Enquadrar as Universidades Públicas na administração indireta do Estado tem sido, ao longo do tempo, alvo de discussão e debate. Existindo quem defenda as Universidades Públicas como integrantes na administração direta do Estado, ou mesmo a uma administração autónoma.

O Professor Freitas do Amaral enquadra as Universidades Públicas no quadro dos institutos públicos, mais especificamente nos estabelecimentos públicos. Os estabelecimentos públicos são institutos públicos de carácter cultural ou social, organizados como serviços abertos ao público, e destinados a efetuar prestações individuais à generalidade dos cidadãos que dela careçam. Este, considera que a recondução das Universidades Públicas ao conceito de estabelecimentos públicos, se justifica, porque as Universidades têm caráter cultural, estão organizadas como serviços abertos ao público e destinam-se a fazer prestações individuais, ou seja, a ministrar o ensino aos estudantes. O Professor Vasco Pereira da Silva, contrariamente ao Professor Diogo Freitas do Amaral, considera que as Universidades dizem respeito à Administração Autónoma, uma vez que as Universidades seguem atribuições próprias, distintas das atribuições do Estado, não podendo fazer parte da Administração Indireta. No quadro das Universidades existe uma lógica em que há uma auto-organização, segundo a qual se vão originar regras equilibradas. As universidades assentam numa estrutura pessoal, o seu substrato é a relação entre professor e aluno e a consequente relação entre aprender e ensinar. No caso das universidades, a lógica do ensino implica alguém que tenha uma formação específica, nomeadamente o professor, ou seja, o substrato da universidade é a relação que existe entre o professor e o aluno e por isso não há uma realidade associativa, não se devendo afirmar que é uma associação pública. Deste modo, segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, as universidades são entidades que fazem parte da Administração local, não sendo associações, mas sim entidades que prosseguem atribuições próprias de forma própria, através de órgãos livremente eleitos.

Em concordância com o Professor Freitas do Amaral, o professor João Cauperes defende a tese de que as universidades públicas se encontram no domínio da administração indireta, tal como nós. Consideramos que as Universidades públicas fazem parte da administração indireta do Estado, como estabelece o regime atual.

A dualidade de sistemas público privados permite uma grande prosperidade. Apesar de possuir desvantagens. O regime das fundações do Estado, "rumo ao direito privado", não assenta numa lei de bases, como os institutos públicos. Encontram-se num capítulo bastante incompleto que deixa por definir diversos aspetos de vital importância, tais como os requisitos mínimos para a passagem a fundação. Igualmente o facto de permitir que quem já tem uma posição consolidada se mantenha nessa posição estável, tornando uma desigualdade para com aqueles que estão a iniciar. Dada a não existência de um regime jurídico específico para as carreiras docentes em situação fundacional, as situações de precariedade podem aumentar a vários níveis. Sabe-se que o único contacto entre governo e fundação é o conselho de curadores, que podem praticamente administrar a universidade sem grande controlo do estado. Consideramos, no entanto, que as vantagens se sobrepõem: ao contrário do regime fundacional, o institucional, relativamente ao vínculo dos docentes, apresenta um regime de contrato de trabalho em funções públicas; quanto ao controlo, este tem uma relação de tutela e superintendência com o estado, o qual procede ao controlo da legalidade, e é igualmente fiscalizado pelo tribunal de contas. Esta possibilidade de dualidade no ordenamento jurídico português permite conferir maior flexibilidade às Universidades, aproximando assim a sua gestão e funcionamento da gestão das instituições privadas. Confere-se também mais autonomia. No entanto, não significa que este regime seja perfeito, podendo ser ainda aperfeiçoado.


III

Coloca-se a primeira preocupação: se o presente estatuto jurídico (instituição vs. fundação) das Universidades Públicas é a qualificação mais adequada ao seu efetivo substrato e natureza. 

Os institutos públicos possuem, de facto, um substrato institucional autónomo, distinto do Estado, que a lei confere personalidade jurídica. Os seus órgãos são diferentes do Estado, o seu pessoal é privativo e as suas finanças são para-estaduais (não pertencentes ao Estado). No entanto, estas dedicam-se à prossecução de interesses públicos estaduais. No caso das Universidades Públicas, a prestação de serviços para o bem da comunidade, (dos alunos principalmente), não possuem interesses de iniciativa privada. Já as Fundações, dotadas também de órgãos próprios, património próprio e autonomia financeira, estão sujeitas aos princípios constitucionais de direito administrativo, aos princípios gerais da atividade administrativa, entre outros (Art. 48º LQFP). Logo, não seria correto considerar que a personalidade jurídica destes organismos existe para efeitos de direito privado apenas por possuírem autonomia administrativa. Eles gozam de capacidade de direito público, e os seus atos e contratos, bem como a responsabilidade por danos causados a terceiros, encontram-se no âmbito do Direito Administrativo e da jurisdição administrativa. Os seus objetivos vão ao encontro dos objetivos das Universidades Públicas, no fim das contas são precisamente os mesmos: a realização de ciclos de estudos visando a atribuição de graus académicos; a criação do ambiente educativo apropriado às suas finalidades; realização de investigação e o apoio e participação em instituições científicas; a transferência e valorização económica do conhecimento científico e tecnológico, entre outras. Pode haver uma divergência quanto ao substrato e natureza das Universidades Públicas, mas tal não invalida os seus feitos. São feitos de caráter público, utilizando certos meios de tipo privado.

O que poderia ser feito de modo a "tranquilizar" tais dúvidas seria, por exemplo, alterar a norma expressa no Artigo 57º/1 da LQFP e permitir ao Estado a criação e a participação em novas fundações públicas de direito privado. O Estado, juntamente com pessoas de direito privado, passaria a fazê-lo, aplicando-se à mesma o regime do Artigo 4º/1 alínea c e Art. 4º/2 da LQFP. Deste modo, existiria uma maior inclusão: o Estado, pessoa coletiva pública, confraternizando com as fundações públicas de direito privado, de modo a transmitir segurança. A "essência" das Universidade Públicas nunca acabaria por se perder ou dissolver, pelo simples facto de existir uma presença estatual literal. De modo a garantir mais inclusão e a maximizar os serviços prestados, consideramos fundamental a expansão do Conselho Diretivo destes Institutos Públicos e das Fundações, a nível de quantidade e qualidade. Tendo em conta que o Conselho Diretivo apenas abrange um presidente, até dois vogais e por vezes um vice-presidente (Art. 19º/1LQIP) (Art. 53º/1 LQFP), achamos por bem uma mudança. O Conselho Diretivo é responsável pela definição, orientação e execução dos estatutos, tal como a direção dos serviços. Ao aumentarmos este número de membros, nem que seja por dois ou três, causaria um impacto positivo. Haveria mais integração, e menos concentração. As decisões quanto ao futuro das Universidades Públicas estariam mais bem entregues. Seriam até, possivelmente, mais inovadoras. Para não falar da segurança que transmitiria ao exterior, aos alunos o funcionários, de que o seu bem-estar é demasiado precioso para ser somente decidido por 3 a 4 pessoas.


IV

A segunda preocupação trata-se de uma questão orçamental: se, de facto, este estatuto jurídico permite uma autonomia orçamental. Para tal, avaliemos as receitas. 

Em 2017, as propinas renderam às universidades públicas 330,1 milhões de euros, tendo sido o valor mais alto de sempre. Entre 2008 e 2017, de acordo com dados do relatório Estado da Educação 2017, divulgado em dezembro passado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), as receitas anuais com as propinas cresceram quase 72 milhões de euros e a fatia por estas ocupada no bolo orçamental do superior público passou de 13,7% para 23,7%. Ou seja: registou um aumento de dez pontos percentuais. Uma análise a mais de 40 sistemas educativos (Reino Unido, Bélgica) aponta cerca de duas dezenas de casos em que a propina no 1.º ciclo do ensino superior não existe ou, graças ou não aos apoios concedidos, tem um valor médio residual, abaixo dos cem euros. Portugal - apesar dos progressos registados no último ano letivo - faz parte dos poucos que menos compensam esse valor com os apoios sociais.

Portanto, a questão que se coloca é: será um problema monetário ou organizacional? Consideramos que o facto de existir uma regulação e fiscalização estadual não faz com que as Universidade Públicas não obtenham o máximo rendimento possível. Julgamos que seja um problema interno, de gestão. A autonomia orçamental das Universidades encontra-se bem. Estas têm poder para gerir os seus lucros, não total, mas quase. Daí o regime dualista ser tão vantajoso. Existe, no entanto, uma questão organizacional que deve ser tratada. De que forma podemos maximizar os lucros, tendo em conta a prestação de bens e serviços? Os Institutos Públicos e as Fundações Públicas encontram-se sujeitos ao regime orçamental e financeiro dos serviços e fundos autónomos (Art. 35º/1 LQIP). As Universidades, de facto, possuem uma autonomia de gestão e uma autonomia patrimonial (Art.108 e 109 Lei 62/2007). Existe um denominado fiscal único que é responsável pelo controlo e regularidade dessas finanças e patrimónios (Art.26º LQIP) (Art.54º LQFP). O facto de simplesmente ser um indivíduo, suscita dúvidas. Porque não um Conselho Fiscal? O controlo e apreciação da situação económica e financeira e a execução orçamental seriam mais otimais se fosse função de um corpo e não de um individuo, por mais competente que este seja. Seria uma manutenção vantajosa para as Universidades Públicas. Assim, eventualmente, surgiriam melhores ideias sobre como regular o orçamento bem como o plano de atividades e a sua cobertura orçamental.

Ainda quanto à otimização orçamental, acreditamos que por meio de donativos, as universidades têm como colmatar e assegurar a referida autonomia (Art. 11º/1 da Lei Nº. 62/2007; Art. 76º/2 da CRP), e esses donativos vão fazer com que a Universidade tenha mais terreno para desbravar e explorar a fim de realizar a sua missão (Art. 2º/1 da Lei Nº. 62/2007). O Despacho n.º 74/2021 da Universidade Nova de Lisboa, servindo de exemplo, veio estabelecer o Regime de Aceitação de Donativos à Universidade, definindo em quais termos os donativos devem ser feitos e aceites, e nesta parte, entra o Conselho Fiscal para fazer o controlo e garantir que essas normas são respeitadas, quer pela Universidade, quer pelos doadores (que podem ser quaisquer pessoas, singulares ou coletivas, contudo sem nenhum benefício material específico ou qualquer tipo de acordo de patrocínio ou poder decisório relativo ao governo da Universidade). É celebrado um contrato entre o doador e a universidade, nos termos do Art. 940º do CC, sendo o donativo qualquer liberalidade feita à universidade, em dinheiro ou em espécie, o objeto do contrato.


V

De modo geral, concordamos com a doutrina do Prof. Freitas do Amaral enquadrando as Universidades dentro da Administração Indireta do Estado. São um instituto público de caráter cultural ou social, que se encontra organizado como um serviço aberto ao público, e destinado a concretizar prestações individuais aos cidadãos que dela necessitem, de um modo genérico. Como se pode ver, o Estado confia, a este sujeito de direito, a realização dos seus próprios fins por meio de uma transferência: a devolução dos poderes. A Universidade age por si só, mas em benefício do Estado. Este exerce poderes de intervenção, nomeadamente a superintendência e a tutela administrativa (Art. 199º/d) da CRP); O regime apresenta características que são desvantajosas, tais como o facto de permitir que quem já tem uma posição consolidada se mantenha nessa posição estável, em desigualdade com as situações daqueles que estão a iniciar, a não existência de um regime jurídico específico para as carreiras docentes em situação fundacional, as situações de precariedade podem aumentar a vários níveis e o livre controlo da Universidade pelo Conselho de Curadores. Mesmo assim, as vantagens sobrepõem-se: a vinculação dos docentes por meio de um contrato de trabalho em funções públicas no regime institucional, a tutela e a superintendência levadas a cabo pelo Estado, que confere um controlo da legalidade, da mesma forma que o Tribunal de Contas também fiscaliza. Em nosso entender, a alteração do Art. 57º/1 da LQFP, do Art. 4º/1/c) e do Art. 4º/2 do mesmo diploma iria proporcionar mais inclusão, o Estado coexiste com as fundações públicas para, no fundo, transmitir segurança. Acreditamos que alargamento do Conselho Diretivo maximizaria a prestação de serviços, promoveria a desconcentração e, de certa forma, a democracia. Embora haja autonomia e elevadas receitas, a produtividade e a eficiência das Universidades no que diz respeito a apoios sociais releva carências, o que nos leva a crer que o problema não é de caráter financeiro ou monetário e, sim organizacional. Para dar a volta a esta situação, sugerimos a criação de um Conselho Fiscal, um corpo e não um indivíduo em si, de modo a controlar e garantir a boa gestão dos recursos e meios existentes, com certeza tornaria a fiscalização em algo mais dinâmico e vivo. E por último, os donativos, uma realidade que permitiria como foi dito, uma maior facilidade e abertura às Universidades em concretizar a sua missão, realçando a sua autonomia, mediante fiscalização do Conselho Fiscal.

   

Parecer jurídico de autoria de: 

Raquel Ponge, Leonor Oliveira, Joana Jorge, Fidélia Augusto e Mauro Marques


Bibliografia/Webgrafia:

  • Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo I, 4º Edição, 2022.
  • https://universcidade.pt/reg-fundacional/
  • https://www.snesup.pt/htmls/_dlds/Regime_Fundacinoal_GRA.pdf
  • https://www.uc.pt/regimefundacional
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