6) Modelo de funcionamento inteiramente privado, coordenado por uma agência reguladora para o ensino superior
Natureza das Universidades
As Universidades, segundo o prof. Marcello Caetano, têm natureza dualista, uma vez que cada Universidade corresponde, simultaneamente, a um serviço público estadual (ou seja, organização de meios humanos e financeiros criada e mantida pelo Estado e ordenada à prossecução de tarefas públicas relevantes para a satisfação das necessidades coletivas, sendo que pode corresponder a um estabelecimento público ou a uma fundação pública de com regime de direito privado) e a um substrato associativo.
Visto que o vivemos num Estado de direitos fundamentais, e que existe um dever de criar e assegurar a permanência dos pressupostos materiais que permitem aos indivíduos exercerem as suas liberdades, existe também um dever do Estado em garantir que esses direitos sejam garantidos. Assim, o artigo 74º/4 CRP vem diz que a criação e investigação científicas incentivadas pelo Estado, do mesmo modo que o artigo 75º/1 CRP vem afirmar que é uma obrigação do Estado criar uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população. Estamos perante uma responsabilidade constitucional do Estado.
Por outro lado, sabemos que existem diferentes modelos de administração pública. Quanto à natureza jurídica das Universidades, a restante doutrina diverge entre dois desses modelos: Administração Autónoma e Administração Indireta.
Antes de mais cabe-nos caracterizar cada um deles.
Administração Indireta:
No quadro da Administração Indireta é desenvolvida uma atividade que desenvolve fins próprios do Estado, mas neste caos não é o Estado que os desenvolve, mas sim outras pessoas Coletivas.
É no facto de estas atividades (com fins do Estado) ser exercida por pessoas que não este, que distingue a Administração Indireta da Administração Direta. Podemos dizer que há uma transferência de competências e de poderes do Estado para outras entidades. Estamos perante um processo de desconcentração.
Entre as entidades administrativas consideradas de administração indireta, encontramos os institutos públicos, nomeadamente os serviços personalizados, as fundações públicas, os estabelecimentos públicos e as empresas públicas.
Administração Autónoma:
Neste modelo de administração os fins que são prosseguidos são fins diferentes dos do Estado, quer isto dizer que os fins que prossegue são fins próprios. Este tipo de administração não está sujeito ao poder de direção nem ao poder de superintendência, no entanto está sujeito ao poder de tutela (ainda que ténue, uma vez que consiste numa mera observação do cumprimento da legalidade, ou seja o estado limita-se a certificar que as pessoas da administração autónoma comprem lei).
O modelo que propomos é um modelo inteiramente privado, regulado por uma agência reguladora para o ensino superior.
Esta agência faz parte da administração independente, pelo que estamos a falar de uma realidade muito diferente do Estado e que não é regulada por este. Podemos retirar essa conclusão fazendo uma interpretação a contrario do artigo 199º-d CRP, uma vez que este nos diz que o governo tem poder sobre as entidades de administração direta, indireta e autónoma, enquanto que não faz referência à administração independente.
Importa referir que apesar de a administração independente não ser alvo de controlo governamental, esta está prevista na CRP, no nº 3 do art. 267, que nos diz, tal como o artigo 7º Lei 67/2013, que as entidades reguladoras independentes são criadas por lei.
Para entendermos bem as entidades reguladoras, temos sempre de ter presente a matéria da lei 67/2013, que regula seu regime, com exceção do Banco de Portugal e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que se regem pela sua legislação própria (art. 3º/4).
O que é então uma entidade reguladora?
Diz-nos o disposto no art. 3º/1 da Lei 67/2013 que as entidades reguladoras são pessoas coletivas de direito público, com natureza de entidades administrativas independentes, que possuem atribuições em matéria de regulação da atividade económica, de defesa dos serviços de interesse geral, de proteção dos direitos e interesses dos consumidores e de promoção e defesa da concorrência.
No art. 3º/2 temos o elenco dos requisitos para se constituir uma entidade deste tipo.
O processo de criação e a especificidade da sua criação estão, respetivamente, presentes nos artigos 6.º e 7.º da Lei-quadro.
Importa destacar que apesar de serem entidades administrativas independentes, todas elas estão subordinadas a um Ministério responsável como nos diz o artigo 9.º. Refere o nº 1 do mesmo artigo que cada entidade reguladora está adstrita a um ministério em cuja lei orgânica deve ser referida.
A3ES (Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior)
As instituições do Ensino Superior estão sujeitas a inspeção por parte da Inspeção-Geral da Educação e Ciência, e da Secretaria de Estado do Ensino Superior, nomeadamente no que diz respeito ao âmbito patrimonial, financeiro e administrativo. A Inspeção-Geral da Educação e Ciência assegura também o serviço jurídico-contencioso decorrente de processos contraordenacionais, bem como a ação disciplinar.
Os poderes sancionatórios, a serem exercidos no âmbito do ensino superior, cabem ao Ministério responsável e aos serviços que o integram - A3ES não tem poderes sancionatórios por si só, todavia, deveria ser dotada dos mesmos, nomeadamente no respeitante à sua atividade, sendo de enaltecer que isto passaria pela transferência destes poderes da entidade competente para o efeito, ou seja, o Ministério da Educação e Ciência delegaria tal poder para a A3ES.
A autonomia universitária vem consagrada no art. 76º/2 da Lei Fundamental e, segundo o prof. Canotilho Ferreira, refere-se apenas às Universidades Públicas, deixando de fora Universidades Privadas e Politécnicas. Por outro lado, o prof. Pacheco de Amorim vem afirmar que este artigo se aplica também a Universidades Privadas.
O art. 11º RJIES vem reconhecer autonomia científica (corolário da liberdade de criação científica - 42º/1 CRP; autonomia em escolher o objeto da investigação; possibilidade de criação de planos de estudo e determinação dos programas de avaliação) e pedagógica (tem como papel central a definição da axiologia da Universidade, sendo que as vertentes financeira, estatutária e administrativa são instrumentais) às Universidades, sendo que o setor público tem mais autonomia do que o setor privado. Assim, as Universidades devem estar sujeitas a um regime de avaliação, como forma de autorresponsabilização, por uma atuação autónoma concedida pela garantia institucional, sendo essa avaliação assegurada pela A3ES, e independente do Estado.
O art. 4º/1, b) RJIES consagra a ideia de que o ensino superior privado é composto pelas instituições pertencentes a entidades particulares e cooperativas. Nesta ordem de ideias, cabe analisar o art. 32º do mesmo diploma: as Universidades Privadas podem ser criadas por entidades que revistam a forma jurídica de fundação, associação ou cooperativas constituídas especificamente para esse efeito (nº1), por sociedades por quotas ou anónimas (mediante os requisitos do artigo; nº2), sendo que são reconhecidas nos termos do 188º CCiv. Os arts. 56º a 58º RJIES falam do ensino superior privado, sendo que são estas instituições que procedem ao seu encerramento (56º/1), existindo também a possibilidade de fusão, integração ou transferência por decisão das respetivas entidades instituidoras (57º/1).
Como exemplo, a escolha foi a de analisar os Estatutos da Universidade Lusófona, consagradas no Despacho nº 15417/2016, visto que é uma Universidade totalmente privada.
A Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias é um estabelecimento de ensino superior universitário, instituído pela COFAC (cooperativa) (art. 1º/1), que se integra no sistema nacional de ensino, com sede em Lisboa (artº 1/2), que tem o poder de descentralizar as suas unidades orgânicas, assim como celebrar acordos de cooperação com outras universidades, institutos politécnicos ou com outras entidades públicas e privadas; rege-se pelo direito vigência em Portugal, relativamente ao ensino superior, pelos presentes estatutos, e por regulamentos internos criados ao seu abrigo (1º/3). A mesma entidade dispõe dos meios financeiros necessários que lhe são afetados pela entidade instituidora (4º/1), ou seja dispõe de total autonomia financeira. Ao abrigo do art. 6º tem autonomia científica, cultural e pedagógica (nº1), que se traduz na capacidade de definir, organizar e selecionar livremente as áreas de ensino e de investigação e de extensão cultural, coerentes com os seus fins (nº2); tem o direito de requerer acreditação de ciclos de estudos, junto da entidade legalmente competente (nº4), sendo, neste caso, a A3ES. Por fim, cabe referir também que é a cooperativa que a criou zela e é responsável pela sua gestão administrativa, económica e financeira (7º/1), através da gestão de receitas e despesas (7º/2), e também do exercício do poder disciplinar (7º/3).
Em suma, cumpre referir que a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias tem autonomia em diversos setores, mas não tem na questão de acreditação. Será que isto faz sentido?
Vantagens e desvantagens
Como vantagem, cumpre salientar que o Ministério da Educação, a Inspeção-Geral da Educação e da Ciência, e a Secretaria de Estado do Ensino Superior, ao exercerem o controlo patrimonial, financeiro e administrativo faz com que, nestas áreas, todas as instituições de ensino superior tenham as mesmas bases.
Como desvantagem, há que referir que este controlo poderá ser considerado injusto, na medida em que as Universidades Privadas são instituídas por cooperativas (caso da Lusófona), logo não faz sentido que o controlo estatal seja exercido, no sentido em que o Estado em nada contribui para a instituição em si.
Conclusões e Soluções
Como conclusões, a primeira que tiramos é a alteração do artigo 76º/2 CRP, inserindo num artigo a expressão ''sob aprovação da Entidade Reguladora'', passando assim a existir uma Entidade Reguladora do Ensino Superior. Esta revisão constitucional não é problema, uma vez que não vai contra limites formais (288º CRP), circunstanciais (289º CRP), nem contra limites materiais. Esta alteração constitucional compete, nos termos do artigo 161º/a CRP compete à CRP, por iniciativa dos deputados (285º/1 CRP), por aprovação de maioria de 2/3 (286º/1 CRP), sendo que o Presidente da República não pode recusar a sua promulgação (286º/3 CRP).
Criar um modelo inteiramente privado, implica criar uma entidade administrativas independentes (267º/3 CRP e 7º Lei nº 67/2013), sendo que para tal é necessário cumprir os requisitos do artigo 6º/3 da Lei 67/2013 (necessidade efetiva e interesse público na criação de uma nova pessoa coletiva para prossecução dos objetivos visados, necessidade de independência para prossecução de atribuições em causa, capacidade de assegurar condições financeiras de autossuficiente). Poderá colocar-se em questão se a autonomia científica e pedagógica estavam em causa. Para tal, propomos a seguinte solução: a criação de um Conselho da Entidade Reguladora do Ensino Superior, onde haveria um Presidente, que seria eleito pelos Presidentes dos Conselhos das diversas universidades; para o caso, não interessaria o Ministro da Educação entrar, uma vez que estaríamos a envolver o Estado.
Para tal, é necessário respeitar algumas questões relativamente às votações em matéria científica e pedagógica: relativamente ao quórum [29º CPA - tem de estar presente maioria legal dos membros que o constituem (nº1); quando não se verifique, deve ser convocada nova reunião, com intervalo mínimo de 24h (nº2)]; relativamente às votações em si (32º/1 CPA - votação por maioria absoluta dos votos dos membros presentes na reunião; caso isto não se verifique, há uma nova votação em que existe possibilidade de maioria relativa (nº2); e, em caso de empate, 33º CPA - presidente terá voto de qualidade, quando está mesmo presente na votação (desempatada quando há empate) (nº1); quando não está presente na votação, chama-se voto de desempate); nos termos do art. 30º CPA, em bom rigor, os órgãos presentes não se podem abster da tomada de decisões].
Propormos uma alteração da lei 67/2013, pela modificação do art. 3º/3, colocando numa possível ''alínea j)'' a Entidade Reguladora do Ensino Superior, sendo que, pelos artigos 161º/c CRP e 198º/1 CRP, esta alteração é da competência da AR. Devem também ser alterados os estatutos das Universidades existentes.
Atualmente, existe uma desigualdade curricular relativamente aos créditos das cadeiras. Como solução, a proposta passa pela existência de um ciclo de estudos iguais, para cursos iguais, o que faz com que a mudança entre Universidades seja facilitada, bem como as competências adquiridas pós-licenciatura sejam semelhantes.
Para além disso, hoje em dia, o pagamento de propinas é completamente diferente entre universidades privadas e universidades públicas perante um modelo inteiramente privado. Para tal, há duas hipóteses: retirar todas do Estado é problemático uma vez que nem toda a gente iria ter possibilidade de realizar o pagamento das propinas; ou, como defendemos, o Estado deve passar a contribuir igualmente para todas as universidades, visto que passam a reger-se pelo mesmo plano pedagógico e científico e, deste modo, pagamento de propinas deverá ser igual.
Por fim, a proposta de uma Entidade Reguladora do Ensino Superior passa a ter um poder de tutela sobre as universidades do ensino superior.
Trabalho realizado por:
Beatriz Polónio, nº 66315
Carlota Afonso Costa, nº 66370
Maria Marques, nº 66370
Rita Santos, nº 64694
Sabrina Oliveira, nº 66300