A natureza jurídica da Ordem dos Advogados

16-12-2022


Uma exposição sobre a natureza jurídica da Ordem dos Advogados, analisando a natureza das próprias ordens profissionais, bem como um breve comentário sobre a realidade que a OA enfrenta, abordando as mais recentes questões levantadas sobre o cabimento da introdução do mestrado como requisito de acesso à advocacia.

História e missão da Ordem dos Advogados

A criação da Instituição representativa dos Licenciados em Direito, que exercem a Advocacia e que estabelece o quadro deontológico do exercício da actividade, remonta ao ano de 1926, pelo Decreto n.º 11 715, de 12 de Junho de 1926, ainda que os seus Estatutos tenham sido aprovados muito antes, em 1838.

O responsável pela sua criação foi o Professor Doutor Manuel Rodrigues e pela sua organização o Dr. Vicente Rodrigues Monteiro que foi também o seu primeiro bastonário.

Algumas competências da Ordem dos Advogados passam pelas funções:

  • Social: com um grande e geral impacto mas que merece salientar o papel desempenhado pela ordem enquanto defensor do Estado de Direito e dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos e na administração da justiça.
  • Preservação da dignidade e prestígio da profissão de Advogado bem como defesa dos seus interesses e direitos.
  • Comporta ainda a garantia do acesso ao Direito através da sua divulgação constitucionalmente exigida, promovendo o seu conhecimento e aplicação.
  • Pronunciar-se acerca dos projectos de diplomas legislativos que interessam ao exercício da Advocacia e ao patrocínio judiciário.
  • Exercer de modo uno e exclusivo o poder disciplinar sobre os Advogados e Advogados estagiários, através dos Conselhos de Deontologia e Conselho Superior.

Discussão sobre a natureza jurídica da OA

Anteriormente à criação da lei reguladora das associações públicas das ordens profissionais, há já largos anos, encontramos discussão quanto à natureza jurídica da OA, levantando debate entre a opção de se tratar de uma Associação Pública ou ainda destas poderem tratar de associações de empresas. Esta questão surge de dois acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de 19 de Fevereiro de 2002. Acontece que tanto a Ordem dos Advogados holandesa como a italiana são consideradas nos acórdãos, associações de empresas para efeitos de submissão ao direito comunitário da concorrência.

A posição da jurisprudência comunitária é distinta da do ordenamento interno português. Isto, na medida de que o quadro jurídico-doutrinal português assenta na possibilidade de distinção entre a prossecução de interesses originariamente públicos, por intermédio de poderes autoridade pública, e a prossecução de interesses privados ao recorrer à capacidade civil geral de que gozam os privados comuns, incluindo as associações. O cerne da questão aqui reside justamente no TJCE pôr em causa se esta distinção é possível.

Natureza jurídica da OA

A Ordem dos Advogados insere-se na categoria de Associação Pública Profissional. Ora, o regime jurídico da Ordem dos Advogados de acordo com o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais remete em geral para a Lei n.º 2/2013, de 10 de Janeiro e em especial o artigo 4.º . Dito isto, conhecendo já a sua natureza da OA de associação pública (art.º2/4 d)), esta insere-se, no âmbito da organização da administração pública - na sua concepção à luz da divisão tripartida do Professor Freitas do Amaral - no seio da Administração Autónoma.

Relembremos que a Administração Autónoma do Estado é tida como o conjunto das entidades administrativas distintas do Estado por terem uma caracterização jurídica própria, sendo pessoas colectivas separadas do mesmo, que prosseguem, fins que são estabelecidos e interpretados livremente a partir dos correspondentes substratos. Carateriza-se por constituir um fenómeno de descentralização administrativa de tipo associativo e territorial, por força da criação de entes administrativos com um substracto associativo ou humano - as associações públicas - ou com um substracto territorial - as regiões autónomas e as autarquias locais, como pessoas colectivas de população e território que são.

Ora, as associações públicas são incluídas na Administração Autónoma dado que têm uma base sociologicamente distinta do Estado, que sobre elas se limitam a tutelar a legalidade como nos diz o Professor Jorge Miranda. Assim, o Estado aqui apenas pode fiscalizar - com base no princípio da legalidade - conhecendo apenas o poder para ocasionalmente sancionar. Estamos perante uma mera tutela da legalidade e, por vezes, do mérito da sua atividade, excluindo-se os poderes de direção ou de superintendência. Os poderes tutelados exercidos sobre as ordens profissionais são entregues ao membro do governo indicado nos seus estatutos (convencionalmente aquele que tenha relação com o objeto da associação profissional.

Dentro das associações públicas podemos ainda atentar a uma outra distinção dentro da doutrina administrativista portuguesa:

  • associações públicas de natureza pública: trata-se da junção de entidades que são já originariamente de natureza pública, como é o caso das associações e as federações de municípios;
  • associações públicas de natureza privada: centraliza-se numa única pessoa colectiva entidades privadas mas que exigem a concessão de uma natureza pública a fim de prosseguirem alguns poderes de autoridade;
  • associações públicas de natureza mista: são associações que acolhem, ao mesmo tempo, entidades de natureza pública e privada.

As ordens profissionais encontram o seu lugar na categoria de associações públicas de natureza privada, a segunda mencionada. No que diz respeito à natureza jurídica das associações profissionais públicas em geral, podemos ainda salientar dois elementos que lhes são inerentes:

  • elemento material: comporta a dimensão e contornos específicos de cada atividade profissional;
  • elemento funcional: relativo à regulamentação e disciplina de cada profissão.

Mais ainda, existem outros elementos a conhecer, estes não exclusivos às Associações Públicas Profissionais, mas sim a todas as Associações Públicas. São estes os elementos:

  • elemento formal: pessoa coletiva de direito público;
  • elemento estrutural: substrato associativo;
  • elemento teleologico: fins próprios.

Outros exemplos de Associações Públicas

Dentro do âmbito especifico que abordamos, temos outros claros exemplos de ordens profissionais. Estas podem ser, como a dos Advogados e dos Médicos, antigas ou consideradas clássicas, tratando de profissões liberais mais antigas. Existem ainda, criadas mais recentemente, por regularem profissões serem mais jovens, ordens como a dos biólogos ou dos farmacêuticos.

Exteriores ao âmbito profissional, podemos ainda encontrar Associações Públicas muito distintas, tais como comunidades mais pequenas ou autarquias locais, nomeadamente, comunidades intermunicipais ou associações de municípios e freguesias.

A justiça no acesso à Ordem dos Advogados face à nova proposta

O atual bastonário da ordem dos advogados, o Professor catedrático Luís Menezes Leitão, considera que face à proposta de redução do estágio profissional de acesso à Ordem de 18 para 12 meses deve ser exigido um aumento das qualificações mínimas para acesso à mesma nomeadamente através de um estagio. Surge para o Professor uma problemática no que toca à desigualdade e comparabilidade com o resto dos advogados europeus na mesma situação de acesso a ordens profissionais. O Professor considera esta questão da perspetiva de deixar os advogados portugueses menos qualificados que os demais, havendo alguma disparidade.

Neste caso, o objetivo também é nivelar as exigências feitas aos que praticam a advocacia, os advogados, por referência às exigências feitas às magistraturas judicias e do Ministério Público. Esta equiparação de requisitos é também a medida pratica para algo mais simbólico, a defesa de que os advogados e os magistrados têm de ter o mesmo grau de dificuldade de acesso à prática da profissão porque as duas se encontram credibilizadas no mesmo patamar.

Esta proposta é altamente contestada pelo Conselho Nacional de Estudantes de Direito, considerando que esta é "infundada, irrazoável, desproporcional e injusta, portanto inadmissível". O foco aqui está no mestrado que é considerado como um passo de exigência excessiva e violador de direitos fundamentais, nomeadamente, constitucional de igualdade de acesso à profissão - e que, de resto, a OA publicamente explicita.

Mais ainda, há que relembrar que os custos associados ao mestrado e ao estágio representam, na melhor das hipóteses, um custo de 3.500 euros, sendo que, os estágios remunerados são raros. Esta nova lei inclui objetivamente custos acrescidos muito elevados para poder aceder à profissão.

Ainda assim, chegou a ser aprovada uma primeira versão da proposta de alteração à lei em 2021. Sucedeu, no entanto, que se deu a dissolução da Assembleia da República em dezembro o que levou o diploma a ficar esquecido pela marcação de eleições legislativas.

Considerações finais

Mormente, no que à Ordem diz respeito, na medida da alteração proposta que representa uma crescente exigência aos advogados, considero que esta acaba por desfavorecer alguns e tende a facilitar injustiças. Isto porque, embora se reconheça a necessidade de acompanhar o grau de exigência do resto da Europa, a par ainda de uma mais completa e maior competência académica dos profissionais, isto não pode ser feito ignorando os encargos financeiros excessivos que isto virá a trazer aos profissionais que encontram ignorados numa situação de total insensibilidade social. Para quem não puder sustentar este custo após a licenciatura fica com um diploma parcialmente inútil e numa situação de injustiça relativa muito grande que abre espaço para uma advocacia algo elitista.

Há uma falsa concepção de que a licenciatura portuguesa em Direito se tornou mais simples quando esta apenas foi comprimida, mantendo o seu currículo disciplinar intocado, passando este apenas a ser dado a maior velocidade. Sendo o critério proposto pelo bastonário - entre outros - manter o equilíbrio e a concordância com os requisitos das restantes Ordens europeias, será que faz sentido tornar o mestrado obrigatório quando a Alemanha, Itália, França e Inglaterra, semelhantes em parte no seu sistema ao nosso, não o obrigam? Creio que não.


Bibliografia:

  • AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, I, 4.ª ed., Almedina, 2021
  • https://portal.oa.pt/ordem/regras-profissionais/estatuto-da-ordem-dos-advogados/
  • https://portal.oa.pt/publicacoes/informacao-juridica/direito-nacional/tipos-de-informacao/estatutos/estatuto-da-ordem-dos-advogados/eoa-2015-articulado/artigo-1º-denominacao-natureza-e-sede/
  • https://www.parlamento.pt/Paginas/2021/outubro/regime-juridico-associacoes-publicas-profissionais.aspx
  • https://dre.pt/dre/lexionario/termo/associacao-publica
  • https://www.jorgebacelargouveia.com/anteprojeto-de-lei-quadro-das-associacoes-publicas-profisisonais/
  • https://portal.oa.pt/media/117223/jbg_ma_14420.pdf
  • https://cnop.pt/sobre/funcoes/
  • https://eco.sapo.pt/2022/06/03/novo-texto-do-ps-para-regular-ordens-profissionais-ainda-poe-em-causa-autonomia/
  • https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwiJl9Gcw_r7AhVOlxoKHYPUANMQFnoECBQQAQ&url=https%3A%2F%2Frevistas.ucp.pt%2Findex.php%2Fdireitoejustica%2Farticle%2Fview%2F11169%2F10807&usg=AOvVaw3whVWIIPDDpEJGJGNZ_r2c
  • https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwiJl9Gcw_r7AhVOlxoKHYPUANMQFnoECAkQAQ&url=https%3A%2F%2Fe-publica.pt%2Fapi%2Fv1%2Farticles%2F34544-ordens-profissionais-associacoes-de-empresas-o-caso-particular-da-ordem-dos-advogados.pdf&usg=AOvVaw3C4Qg_lpZpU6kGyCsum1eU
  • https://www.udireito.com/2015/estudantes-direito-contra-mestrado-obrigatorio-acesso-ordem-advogados/


Carlota Monjardino, aluna nº64415

Turma B, subturma 15


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