A problemática das áreas metropolitanas
As áreas metropolitanas resultam da urbanização, da concentração urbana e do aparecimento de grandes aglomerados populacionais, maioritariamente ao redor das grandes cidade porque, o aumento do preço das rendas na cidade, faz com que as pessoas procurem casas nessas localidades envolventes da cidade onde trabalham. A partir da dimensão de 500 mil a 1 milhão de habitantes, surgem problemas que não são possíveis de resolver em termos idênticos aos da generalidade dos municípios, devido à elevada dimensão populacional, surgindo então figuras como as áreas metropolitanas que são áreas formadas pela grande cidade e pelos territórios vizinhos que a circundam e constituem a sua esfera de influência.
O fenómeno das grandes cidades e da expansão da sua influência para as zonas suburbanas que as rodeiam, reflete três tipos de problemas:
- Problemas relativos à grande cidades, onde a questão é saber como organizar a grande cidade em si mesma;
- Problemas relativos à área metropolitana, cuja questão é saber como articular a grane cidade com os respetivos arredores, de modo a servir o melhor possível a população global da área metropolitana;
- Problemas relativos à organização administrativa dos núcleos urbanos satélites da grande cidade, questionando que estrutura dar aos aglomerados populacionais que se situam fora do território da grande cidade que constituem a área metropolitana;
A primeira questão, sobre a organização específica das grandes cidades, colocou-se em Portugal a propósito da cidade de lisboa e do Porto. Para além das questões acerca da organização, deparamo-nos com problemas de natureza política, uma vez que as grandes cidades constituem uma certa ameaça ao poder central, e por isso costumam ser submetidas a um regime de mais apertado controlo por parte deste.
No tocante à organização das área metropolitanas, deve-se ter em conta que para além da grande cidade existem os seus arredores, por outras palavras, há uma zona urbanas e as respetivas zonas suburbanas. Surge, por isso, uma série de problemas administrativos, como o facto de empresas de interesse coletivo ou concessionárias do município da grande cidade, expandirem os seus serviços pelos arredores, ou o facto de o plano de urbanização da cidade ter de considerar a progressiva expansão pelos subúrbios.
Existem fundamentalmente três tipos de solução:
- Sistema da anexação dos pequenos municípios suburbanos pelo município da grande cidade;
- Sistema de associação obrigatória de municípios;
- Sistema da criação de uma autarquia supranacional;
O primeiro sistema consagra uma solução complicada e inconveniente, uma vez que a grande cidade, ao expandir-se, absorve municípios que até aí eram seus vizinhos, passando estes a pertencer ao município da grande cidade. Esta solução conduz ao gigantismo da grande cidade, cuja boa gestão é impossibilitada, tronando-se num organismo hipertrofiado, não sendo a solução mais eficaz.
No segundo sistema, a lei impõe a associação do município da grande cidade com os municípios limítrofes, sem que nenhum perca a sua autonomia, cooperando para a resolução dos problemas comuns. A lei n.º 44/91, de 2 de agosto criou e regulou as áreas metropolitanas de lisboa e do porto. Mais tarde alargou-se o leque de formas de cooperação intermunicipal para a prossecução de fins gerais. Com a entrada em vigor da Lei das Autarquias Locais (LAL), assistiu-se a uma modificação dos modelos de cooperação intermunicipal, ajustada agora em entidades intermunicipais: as áreas metropolitanas e as comunidades intermunicipais. Ambas constituem Associações de autarquias locais e representam formas de cooperação intermunicipal, sendo que cada município só pode integrar uma entidade, e estas são compostas por municípios ligados territorialmente, garantindo a exclusividade e uma contiguidade territorial.
As áreas metropolitanas são núcleos populacionais de milhões de habitantes dependentes da grande cidade. Já as comunidades intermunicipais são núcleos populacionais de pouco mais de cem mil habitantes, dispersos e ausentes de centralidade ao redor de um grande núcleo urbano (como no Alentejo ou centro do país). Ainda assim, existem diferenças entre os regimes das áreas metropolitanas e das comunidades intermunicipais. Contudo, versar-me-ei apenas sobre as áreas metropolitanas:
Criação: A lei é que indica e estabelece as áreas metropolitanas, não sendo livre a sua instituição. Em Portugal existem apenas as áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa - Art. 66.º n.º1 LAL.
Atribuições: As principais são as seguintes: a) Funções de planeamento da estratégia de desenvolvimento económico, social e ambiental do respetivo território; b) Função de articulação dos investimentos municipais; c) Funções de participação na gestão dos programas de apoio ao desenvolvimento regional; d) Funções de articulação dos municípios com os serviços de administração central relativamente às redes de serviços públicos;
As áreas metropolitanas podem ainda exercer as competências transferidas pelo Estado e todas aquelas que são produzidas pelos municípios que as integram, através da celebração de contrato de delegação de competências.
Órgãos: A lei prevê a existência de:
- um órgão deliberativo designado Conselho Metropolitano;
- de um órgão executivo, designado Comissão Executiva Metropolitana;
- de um órgão de natureza consultiva, designado Conselho Estratégico para o Desenvolvimento Metropolitano;
O Conselho Metropolitano é composto pelos Presidente das Câmaras Municipais dos Municípios que integram a área metropolitana, este tem um Presidente e 2 vice-presidentes eleitos entre os seus membros. Compete-lhe definir e aprovar as opções políticas e estratégicas da área metropolitana, aprovar o orçamento e o plano de ação da Área Metropolitana, bem como acompanhar e fiscalizar a atividade da Comissão Executiva, com o poder de a demitir. O Conselho Metropolitano detém ainda competência regulamentar.
A Comissão Executiva Metropolitana é constituída pelo Vice Secretário e por quatro secretários metropolitanos cuja eleição é feita pelas assembleias municipais dos municípios que integrantes da área metropolitana. São eleitos através de uma eleição, a decorrer simultaneamente em todas as assembleias municipais dos municípios que integram a área metropolitana. A votação tem por objeto a eleição de uma lista ordenada de candidatos, previamente aprovada pelo Conselho Metropolitano. Nela apenas participam os membros da Assembleia Municipal eleitos diretamente. Compete-lhe executar as opções do plano e o orçamento, assegurar o cumprimento das deliberações do Conselho Metropolitano, e dirigir os serviços metropolitanos.
O Conselho Estratégico para o Desenvolvimento Metropolitano é um órgão de essência consultiva, constituído por representantes das instituições, entidades e organizações com relevância e intervenção no domínio dos interesses metropolitanos, cuja designação cabe ao Conselho Metropolitano.
Sistema de governo: O órgão executivo responde sempre perante todas as assembleias municipais dos municípios que compõem a área metropolitana, podendo ser demitido em resultado da aprovação de uma moção de censura pela maioria das assembleias municipais.
Tutela: A áreas metropolitanas estão sujeitas a tutela administrativa do Governo nos mesmos termos que as autarquias locais.
Problemas de constitucionalidade:
As áreas metropolitanas configuram formas de cooperação intermunicipal para a realização de fins gerais, tornando-se desconformes com a Constituição, por força do princípio da tipicidade da noção de autarquia disposto no Art. 236.º n.º 2 da CRP.
A liberdade de constituição de associações de municípios decorre do direito de associação, transmitido no Art. 46.º da CRP, aplicável também a pessoas coletivas de base territorial, desde que compatível com a sua natureza, nos termos do Art. 12.º n.º2 CRP, confirmada pelos artigos 247.º e 253.º CRP, que reconhecem o direito de associação às freguesias e aos municípios, respetivamente, para realização de interesses comuns. O sentido útil do Art 236.º n.º3 CRP terá em vista a realização de fins específicos. A constituição, permite a criação de outras formas de organização autárquica, nas grandes áreas urbanas, conforme dispõe o Art. 236.º n.º3 CRP, cuja leitura deve ser conjugada com o Art. 235.º n.º2, onde se encontra definido o conceito de autarquia local. A noção de autarquia local é inseparável da vertente democrática da sua constituição, ao contrário das áreas metropolitanas que não preveem qualquer método de designação democrática dos seus órgãos, afrontando incontornavelmente os artigos 235.º n.º2 e 236.º n.º3.
A LAL incorre numa violação da constituição quando confia aos órgãos deliberativos das áreas metropolitanas a competência para aprovar regulamentos, uma vez que a constituição reserva o exercício do poder regulamentar às autarquias locais no Art. 241.º CRP, sendo que as áreas metropolitanas não cabem no conceito de autarquias locais. A emanação de regulamentos externos, que podem conformar diretamente a atuação dos cidadãos que se movimentam no círculo da jurisdição da área metropolitana, pressupõe a legitimação democrática direta do órgão que os aprova. Verifica-se por isso uma violação clara do Art. 241º CRP, bem como do princípio democrático ínsito no artigo 2.º da CRP.
O previsto no terceiro sistema é que as autarquias municipais existentes na área metropolitana se mantêm, mas é criada uma autarquia de nível superior, a qual engloba e substitui, para determinados efeitos, a grande cidade e os municípios do seu arredor. Os núcleos suburbanos vizinhos das grandes cidades pertencem, a municípios adjacentes às grandes cidades. A problemática seria o surgimento de grandes aglomerados populacionais no território desses municípios mas fora das sedes de município, e longe do controlo dos órgãos municipais em cujo território estão implantados. Estes grandes núcleos populacionais carecem de uma estrutura e organização administrativa especiais, sendo apresentadas soluções como:
- criação, nos núcleos suburbanos, de delegações dos serviços municipais;
- organização desses núcleos em bairros administrativos, com ou sem criação simultânea das delegações referidas anteriormente;
- transformação dos núcleos suburbanos em novos municípios;
A segunda solução foi adotada pelo DL nº 49 268, de 26 de setembro de 1969. Contudo tinha o grave inconveniente de representar uma intromissão do Estado na esfera própria da autonomia municipal que se transpunha na entrega da gestão de interesses autárquicos aos administradores de bairro, que eram magistrados administrativos. Por isso esta solução, após o 25 de abril, foi afastada e extinguiram-se os bairros administrativos. Em determinadas situações só a terceira solução satisfaz, pela insuficiência da segunda: quando o núcleo populacional em causa atinge dimensão e condições objetivas de autonomia municipal, a única partida é a criação de uma nova autarquia. Esta solução levanta outro tipo de questões, que têm a ver com os critérios gerais que devem presidir à criação de novos municípios. A figura da área metropolitana pressupõe a existência de municípios, não resolvendo o problema, pelo que se tem verificado, em alguns municípios, casos de adoção da primeira solução.
Conclusão
A opção do legislador português, consagrada na Lei n.º 44/91 e mantida até hoje, passou pelo recurso a uma forma institucionalizada com personalidade jurídica, de organização, denominada "área metropolitana", qualificando-a como uma pessoa coletiva pública de tipo associativo criada por lei.
Assim, as áreas metropolitanas não merecem a qualificação de "associações de municípios", (cuja definição cabe ao artigo 253.º da CRP), por não serem livremente instituídas pelos municípios que as integram, nem de "autarquias locais", limitadas aos tipos previstos no n.º 1 do artigo 236.º da Constituição, qualificando-se assim como uma "outra forma de organização autárquica", como refere o n.º 3 do artigo 236.º da Constituição.
Raquel Esteves
Bibliografia:
https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/140732/2/548680.pdf
FREITAS DO AMARAL, DIOGO, Curso de Direito Administrativo Vol. I, 4ª edição, Almedina, páginas 523 a 541