Alegações finais da equipa da Associação Lisbonense de Proprietários

22-05-2023

Alegações escritas


DOS FACTOS

Atentemos aos factos:

O programa Mais Habitação foi aprovado pela Assembleia da República.

O programa, em causa, previa a mobilização de apartamentos devolutos há mais de 2 anos para o regime de arrendamento forçado.

O Presidente da República pediu a fiscalização sucessiva da constitucionalidade da norma.

Os Presidentes dos Municípios aguardam a decisão do Tribunal Constitucional, não aplicando imediatamente a lei.

O Réu - Presidente da Câmara do município A-dos-Cunhados- apesar da pendente fiscalização de constitucionalidade, decidiu iniciar a aplicação da lei, alegando para tal ser necessário "dar o exemplo e avançar". 

O Autor - João Castiço - é proprietário da vivenda "Cantinho do Português", que só conseguiu obter fruto do trabalho árduo e consequente rendimento auferido na Suíça. 

Por ser o seu único imóvel sito em Portugal, é a sua morada fiscal.

O Presidente da Câmara de A-dos-Cunhados classificou o imóvel do Autor como devoluto, alegando estar desabitado há mais de dois anos.

Procedeu-se à notificação do projeto de classificação do prédio como devoluto.

O Presidente da Câmara mandou notificar o Autor por correio postal.

Sendo um emigrante residente na Suíça, há seis anos, facto que é conhecido por todos os habitantes de A-dos-Cunhados, não viu o correio postal.

Não houve notificação por correio eletrónico.

E sem justificar fundamentadamente a decisão.

Não houve direito de audiência, pelo que o Autor não teve a possibilidade de reagir previamente.

O Réu procedeu ao arrendamento forçado do imóvel do Autor.

Circunstância da qual o Autor só veio a ter conhecimento quando chegou a Portugal.

O Autor encontra-se, de momento, sem casa de residência em Portugal.

Desta feita, nós, advogados da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), procuramos representar os interesses dos proprietários de prédios urbanos portugueses, quer de propriedade vertical, quer de propriedade horizontal, à escala nacional. Assim, é da mais essencial e extrema importância defender a propriedade enquanto direito fundamental plasmado na legislação hierarquicamente superior - Constituição da República Portuguesa.

Para tanto, aqui se apresenta o perito dos advogados que protegem os proprietários, Luís Menezes Falcão.


DO DIREITO

Primeiramente, há que qualificar a decisão tomada pelo Presidente da Câmara de A-dos-Cunhados como um ato administrativo (artigo 148.º CPA). O ilustre Professor Freitas do Amaral define o ato administrativo como "o acto jurídico unilateral praticado no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz uma decisão tendente a produzir efeitos jurídicos sobre uma situação individual e concreta".

  • OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À PROPRIEDADE E À HABITAÇÃO EM CONFRONTO COM O INSTITUTO DO ARRENDAMENTO FORÇADO

Devido a natureza do caso em questão, é necessário fazer um estado da arte, em matéria do direito. Como tal, o direito de propriedade privada é um direito fundamental e, portanto, uma posição jurídica crucial que sustenta os interesses e valores mais importantes quer no plano nacional, quer no plano europeu e internacional. Assim, é estabelecido tanto na Constituição da República Portuguesa, no artigo 62, quanto na Carta dos Direitos Fundamentais da UE, do artigo 17, em termos externos.

Consequentemente, enquanto direito de especial relevância, o direito de propriedade merece ter a sua salvaguarda assegurada pelo próprio Estado que tem a obrigação de manter o seu respeito e, inclusive, tomar medidas para o ver concretizado. Atendendo ao caso em julgamento, importa ainda relembrar e prontamente destacar que também os cidadãos portugueses que residam no estrangeiro gozam da proteção do Estado para o exercício dos direitos fundamentais, conforme o artigo 14.º da CRP estabelece.

Existe uma divisão no âmbito dos direitos fundamentais que categoriza esses direitos em dois grupos principais: os "direitos, liberdades e garantias" e os "direitos e deveres económicos, sociais e culturais". Para compreender como o direito de propriedade se enquadra nessa classificação, consideramos a perspetiva dos Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira. Segundo estes autores, o direito de propriedade não é propriamente incluído no conjunto dos "direitos, liberdades e garantias" (embora em certos aspetos seja influenciado pelo regime desses direitos), sendo considerado um direito económico no atual contexto da Constituição da República Portuguesa (CRP). Em épocas anteriores, a propriedade e a liberdade eram inseparáveis, refletindo um "individualismo possessivo".

A doutrina supra referida dita ainda que o direito de propriedade comporta no seu âmbito pelo menos quatro componentes: a) liberdade de adquirir bens; b) a liberdade de usar e fruir dos bens de que se é proprietário; c) a liberdade de os transmitir; d) o direito de não ser privado deles; eventualmente uma quinta componente: e) o direito de reaver os bens sobre os quais se mantém o direito de propriedade.

Não obstante ao nº 2 do artigo 62.º da CRP, que nos relembra que, embora fundamental, o direito à propriedade não é absoluto, é essencial que esclareçamos quais as balizas das suas exceções. O direito de propriedade é garantido nos termos da CRP, ou seja, não é garantido em termos absolutos, mas sim dentro dos limites e com as restrições previstas e definidas noutros limites da própria Constituição.

É certo que o direito de propriedade tem, na nossa CRP, muitos mais limites, assim como um estreitamento de poderes, habitualmente associado à propriedade privada e à admissão de restrições a favor do Estado, coletividade e terceiros, das liberdades de de uso, fruição e disposição. De todo o modo, as estas restrições estão sujeitas aos limites das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, atendendo ao caráter análogo do direito de propriedade. 

Estas restrições podem vir a revelar-se injustificadas, por violação dos princípios de adequação, necessidade e proporcionalidade(…) é importante ressalvar que as restrições ao direito de propriedade, no âmbito do Direito Administrativo, devem ser legais, proporcionais e justificadas pelo interesse público. Caso contrário, o proprietário pode procurar obter a proteção dos seus direitos por meio de recursos administrativos ou judiciais, conforme previsto na legislação vigente.

Neste ponto, já introduzido o direito à propriedade enquanto direito que merece ser protegido e tutelado, não se pode ignorar a existência - e eventual concorrência - de um outro direito absolutamente fundamental e cujo grau de importância relativo não se ousa questionar, o direito à habitação, consagrado no artigo 65º da Constituição.

O arrendamento forçado representa o culminar do choque entre a própria conceção de direito de propriedade privada e a necessidade de solucionar a falta de soluções do Estado para poder responder à questão da falta de habitação. As componentes já referidas e apresentadas por Gomes Canotilho e Vital Moreira são agredidas, com clareza, se se legisla no sentido de o cidadão poder adquirir e usufruir mas apenas nos termos do Estado sob pena de possivelmente o mesmo dispor da propriedade.

O arrendamento forçado é um regime que se funda na base de um dever legal dos proprietários constante da Lei n.º 31/2014, precisamente no art.12º/2/a): o dever de utilizar, conservar e reabilitar imóveis, funcionando como que uma restrição ao direito fundamental da propriedade privada. 

Este regime não se aplica a um leque de circunstâncias, de entre as quais, para as casas de emigrantes, e mesmo assim, caso João Castiço não pretender arrendar, a ele deve ser concedido um prazo para dar uso ao imóvel, e mantendo-se a situação, é que se pode efetuar o arrendamento obrigatório, verificando o devido interesse público e a violação do dever de proprietário. 

Logo, o arrendamento forçado surge como uma medida que permite ao Estado intervir n a propriedade privada a fim de assegurar o aproveitamento de imóveis desocupados.

Este procedimento engloba algumas etapas, primeiramente, as autarquias locais (entidades competentes), identificam os imóveis desocupados, prosseguindo com uma negociação com os proprietárias de modo a se obter uma solução amigável, como a celebração de um contrato de arrendamento. 

Se tal solução não for possível, deve-se avançar com a requisição administrativa, que permite ao Estado tomar posse temporariamente do imóvel, pagando uma indemnização ao proprietário, que leva em conta o valor patrimonial do imóvel e o período de requisição. 

Importa aqui realçar que este regime do arrendamento forçado possui um caráter excecional e está sujeito a um conjunto de requisitos legais e garantias de proteção dos direitos dos proprietários.

Seria, a nosso ver, da maior facilidade, concordar com a afirmação da AR de que o arrendamento forçado "parece consubstanciar uma restrição ao direito à propriedade privada".

Há que destacar que o Programa "Mais Habitação" permite o arrendamento forçado, sujeitando os proprietários dos imóveis que estejam devolutos há mais de dois anos à sua adesão. Importa ainda salientar que existem exceções aos imóveis passíveis de serem integrados para este efeito, entre eles, casas de férias, casas de emigrantes e casas de pessoas em lares.

-»Falta de fundamentação

Entendemos que não houve fundamentação a qual é assegurada pelo 152 /1 a) CPA em articulação com o 268/3 e 20 CRP. A fundamentação serve para :

-possibilitar a defesa do particular pois só assim consegue estruturar uma impugnação se conhecer todos os motivos que levaram a administração a decidir de certa forma( desta forma se relacionando com art 20 crp) ;

-bem como para controlar a administração visto que este dever implica a necessidade de ponderação de todos os fatores que devem influenciar a decisão ;

-alem de que os particulares tendo uma fundamentação sao mais propícios a aceitarem pacificamente a decisão e

-por fim facilita a clarificação dos factos sobre os quais assenta a decisão .

Posto isto as consequências da falta de fundamentação num ato que deva ser fundamentado será a ilegalidade por vício de forma e por isso será anulável nos termos do art 163/1 cpa.


  • QUANTO À FALTA DE NOTIFICAÇÃO

O CPA impõe o dever de notificação (além de algumas notificações avulsas ao longo do procedimento) em duas situações: em primeiro lugar, o início do procedimento administrativo, deve ser notificado às pessoas cujos direitos ou interesses legalmente protegidos possam ser lesados pelos atos a praticar e que possam ser desde logo individualmente identificadas (artigo 110.º do CPA). A notificação deve indicar a entidade que ordenou a instauração do procedimento, ou o facto que lhe deu origem, o órgão responsável pela respetiva direção, à data em que o mesmo se iniciou, o serviço por onde corre e o respetivo objeto.

Para além do mais, o artigo 114.º do CPA enumera (de modo exemplificativo) os atos administrativos que sujeitam a administração ao dever de notificação (que também se encontra constitucionalmente previsto, no artigo 268.º, n.º 3 da CRP, que consagra a garantia de notificação dos respetivos destinatários, de acordo com Mário Aroso de Almeida). Com este preceito, o legislador pretendeu que o procedimento fosse Justo, resultando ainda, neste sentido, da alínea 2) deste preceito que da notificação deve constar o texto integral do ato e a devida fundamentação. Esta justiça prende-se com o princípio da segurança e da tutela jurisdicional efetiva.

Decorre da alínea b) deste artigo, em articulação com o artigo 158, que os atos administrativos não sujeitos a publicação são de notificação obrigatória quando imponham deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções, ou causem prejuízos. Resulta ainda da alínea c) do mesmo preceito, que atos que criem, extingam, aumentem ou diminuam direitos legalmente protegidos, ou afetem as condições do seu prejuízo, também são de notificação obrigatória.

Apesar da notificação não ser um requisito de eficácia, é um requisito de oponibilidade a terceiros do ato administrativo, de acordo com o artigo 160. Assim, o ato que não tenha sido notificado, passa a ser inoponível ao destinatário. Se a AP praticar atos (de execução) ao abrigo deste ato (inoponível), estes são ilegais.

O ato em causa, além de diminuir forçosamente e drasticamente o exercício do direito de propriedade de João Castiço, causa-lhe ainda prejuízo, uma vez que a sua casa está a ser arrendada contra a sua vontade e o proprietário nada recebe em troca.

De acordo com o artigo 122.º/1 do CPA, é o órgão responsável pelo procedimento, neste caso, a câmara municipal, que deve notificar o interessado, para que o seu direito de participação no procedimento possa ser exercido.

O presidente José Arrebatado "mandou notificar" João castiço, mas não para o seu domicílio na Suíça, que era onde residia, tal como era conhecido por todo o município, incumprindo o artigo 112.º/a do CPA, onde consta que a notificação pode ser feita por carta registada, para o domicílio do notificando. Esta só deve ser feita para outro domicílio se este for indicado pelo notificando.

Ora, dado que João Castiço não sabia da existência do procedimento, nem nunca entrou em contacto com a câmara municipal, nem com o seu presidente, não poderia ter autorizado que o notificasse para a sua propriedade em Portugal.

Deste modo, conclui-se que a notificação não foi recebida, por motivo não imputável ao interessado, pelo que esta não se perfecciona.

Princípio da boa fé, colaboração com os particulares

Deste modo, o interessado no ato, João Castiço não foi notificado nem do início do procedimento, nem da decisão que revestiu a forma de ato final.

Invoca-se a invalidade e ineficácia da notificação sub judice.

  • QUANTO À PRETERIÇÃO DA AUDIÊNCIA PRÉVIA

O direito de audiência prévia consagrado nos artigos 121.º e ss. do CPA, garante aos particulares o direito de serem ouvidos no procedimento antes da tomada da decisão final e consubstancia um reflexo do princípio da participação e colaboração com os particulares positivado no artigo 11.º e 12.º CPA e reforçado na CRP através do 267.º, n.º 5 .

Constituindo uma formalidade impreterível do procedimento tem requisitos a cumprir como a notificação do particular num prazo razoável (nunca inferior a 10 dias) 122.º, n.º 1 CPA e desempenha o papel de fornecer o projeto de decisão e elementos necessários para que os interessados possam conhecer todos os aspetos relevantes para a decisão em matéria de facto e de direito 122.º, n.º 2 CPA.

Cabe mencionar que não se verifica nenhuma exceção do 124.º CPA .

O direito de audiência prévia foi violado pelo facto de João Castiço não ter sido ouvido previamente quanto a questão do arrendamento forçado da sua casa, e sem que se verifique nenhuma exceção do 124.º cpa .

Estamos então perante um vício de forma que acarreta consequências(invalidade do ato ). Neste ponto a doutrina diverge, Paulo Otero entende que gera nulidade nos casos em que o ato em questão é de natureza sancionatória porque nesses casos há uma violação do direito fundamental a um procedimento equitativo e do princípio do contraditório o que corresponde a violação do núcleo essencial desse mesmo direito o que levaria à nulidade pelo 161/2d). Freitas do Amaral considera que o direito subjetivo público de audiência prévia dos interessados não é um direito fundamental uma vez que estes são direitos mais próximos à proteção da dignidade da pessoa humana , sendo esta posição que a jurisprudência aderiu nos últimos apesar de contudo durante o 2023 ter optado pela doutrina da nulidade. Mário Aroso de Almeida vai mais longe e entende que o 267/5 tem como fim regular a estrutura organizatória da administração e daí não decorre um direito à participação procedimental nem a audiência prévia .

Posição do Professor Regente Vasco Pereira da Silva (este ano a própria jurisprudência emitiu um acórdão que considerou que levaria à nulidade):

  • Entende que a constituição trata os indivíduos como sujeitos de direito nas relações administrativas e reconhece lhes expressamente direitos subjetivos perante a administração com a natureza de direitos fundamentais que colocam os particulares numa posição de igualdade relativamente aos poderes públicos .

  • Cláusula aberta em matéria de direitos fundamentais art. 16.º e 17.º CRP, o reconhecimento de posições jurídicas de vantagem do cidadão perante a administração é de qualificar como um "direito,liberdade e garantia de natureza análoga".

  • Atualmente com a elevada importância da atividade administrativa na vida dos cidadãos, a dignidade da pessoa humana necessita também de ser garantida através do Estado-Administração mas também em face dele através da consideração do indivíduo como sujeito de direito nas relações administrativas,titular de direitos substantivos e procedimentais , justifica se os direitos de procedimento como desenvolvimento do princípio da dignidade da pessoa humana num Estado pós-social de Direito.

  • O art 267.º/5 CRP reforça a natureza de direito fundamental e nesta medida entende Vasco Pereira da Silva que os direitos fundamentais devem ser entendidos como possuindo garantias de procedimento. Assim, sempre que uma decisão administrativa possa afetar um direito fundamental é necessário é impreterível que ela seja tomada de acordo com um procedimento participado no qual os privados sejam ouvidos e possam defender os seus direitos perante a administração. Concluindo que a preterição de audiência do particular interessado implicaria a violação de um direito fundamental que seria não o direito à audiência mas aquele direito fundamental que fosse visado no caso concreto pela decisão administrativa (por ex dir a integridade física, propriedade, ao ambiente…)

  • Basicamente 2 hipóteses ou se qualifica o direito de audiência prévia como direito fundamental ou vamos pela via dos direitos fundamentais afetados pelas atuações da administração terem de resultar de um procedimento participado.

  • Por estas razões seriam nulos pelo artigo 161.º, número 2, alínea d) do CPA.

Esta discussão sobre se é anulável ou nulo tem extrema pertinência uma vez que nulidade não tem nenhuma exceção ao contraditório do que acontece na anulabilidade 163.º/5 CPA; o ato nulo é totalmente ineficaz desde o início 162.º/1 CPA;a nulidade é insanável , não é suscetível de ser tornado válido;o ato nulo pode ser impugnado a todo o tempo 162.º/2 CPA; e a nulidade pode ser conhecida e declarada a todo o tempo por qualquer autoridade administrativa ou qualquer tribunal.

Os advogados adotam a posição que o regime da nulidade é o que melhor protege os particulares (no caso João Castiço), constituindo assim um importante direito dos particulares, que deve ser garantido.

  • PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE

O caso em apreço levanta dúvidas relativamente à possibilidade de estarmos perante uma violação do princípio da imparcialidade consagrado pela Constituição no art. 266.º/2, e pelo CPA, no art.9º. Este princípio exige da Administração que a forma do trato com aqueles com que entrar em relação seja imparcial.

A vertente positiva deste princípio indica que a Administração deve efetuar a ponderação de todos os interesses públicos secundários e os interesses privados legítimos, equacionados para o efeito de certa decisão antes da sua adoção, ou seja, uma ponderação isenta e equidistante dos interesses em jogo. Já a vertente negativa, por sua vez, estabelece que a Administração não pode decidir se tiver algum interesse na causa, como no favorecimento de pessoas do mesmo partido político e da mesma família.

Após esta análise concluímos que o princípio não está a ser violado pelo simples facto de estabelecer relação familiar entre o Presidente da Câmara e a Ministra da Habitação dado que o artigo 69.º CPA estipula no nº1 alínea b), o parentesco potencialmente impeditivo como "até ao segundo grau da linha colateral" ou no art. 73.º, n.º 1, alínea a) "até ao terceiro grau da linha colateral" quando na realidade a relação que nutrem enquanto primos é do quarto grau na linha colateral.

  • DESCONSTRUÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO DO PRESIDENTE DA CÂMARA

O artigo 266.º/2 da CRP consagra o princípio da legalidade da Administração Pública, de acordo com a qual o exercício de poderes por parte dos órgãos da Administração e demais entidades que exercer a função administrativa devem exercer a sua função com uma base jurídico-normativa, isto quer dizer que a lei não é apenas o limite da atuação, mas tão só é o pressuposto e o fundamento de toda atividade administrativa. O que nos leva a querer que não pode haver um exercício administrativo sem lei ou norma legal que o fundamente.

Este princípio encontra-se consagrado no artigo 3.º do CPA e é, sem dúvida, um limite à atuação da atividade administrativa. Nas palavras do professor Freitas do Amaral, "não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lho proibir", assim sendo, a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça.

O princípio da legalidade tem sido alvo de desenvolvimentos jurisprudenciais e doutrinais no sentido de se tornar mais abrangente. Atualmente, tende-se a considerar que o princípio abarca também outros mecanismos jurídicos que são concebidos e postos em prática, a fim de conferir uma proteção aos direitos subjetivos dos particulares, para além dos casos em que a violação desse princípio ofende simultaneamente esses direitos e interesses.

No caso sub judice:

Considerando a afirmação do Presidente da Câmara de A-dos-Cunhados, o qual refere que se "limitou a cumprir escrupulosamente a lei", revela-se necessário averiguar a veracidade da mesma.

Tendo por base a letra da lei, podemos verificar que esta menciona a "mobilização de apartamentos devolutos". Neste caso, falamos de uma vivenda, conceito que não se encontra englobado na noção de apartamento. Por este motivo, invoca-se a violação do princípio da legalidade, consagrado no 3.º, nº1 do CPA. Há que considerar que o termo "vivenda" não pode integrar o termo "apartamento", uma vez que a interpretação literal dos termos não se coadunam, nem mesmo através de uma interpretação extensiva do termo poderíamos extrair essa ideia.

  • DISCURSO DO PERITO

A: Diga nos o seu primeiro e último nome.

ML: Luís Manuel Menezes Leitinho Falcão.

A: É o titular do cartão de cidadão n° 42064209?

ML: Sim.

A: E qual a sua profissão?

ML: Sou advogado, professor de direito, investigador, presidente da associação lisbonense de proprietários e, sobretudo, jurista.

A: Foi entrevistado recentemente sobre o programa "habitação mais", lembra-se do que disse?

ML: Que o Governo só pode estar a brincar com as pessoas, o programa em questão levanta sérias questões constitucionais e muito gravosas.

A: Consegue fundamentar essas acusações?

ML: Consigo pois... (esta parte do discurso do perito já foi integrada no texto principal, pelo que dispensamos o nosso leitor de repetições).

A: Relativamente ao caso em concreto, o que nos pode dizer quanto à classificação do imóvel como devoluto?

ML: De acordo com as definições encontradas nos dicionários da língua portuguesa consultados, o termo "devoluto" refere-se a um local que está vago, livre, desocupado, não habitado, não cultivado ou vazio. No entanto, quando esse rótulo é aplicado por algumas câmaras municipais, isso não implica necessariamente que o local esteja desocupado. Pode ser que o proprietário esteja fazendo uso dele para fins pessoais.

Com relação à ilegalidade da classificação do imóvel como devoluto, a lei que aprova o Programa Mais Habitação estabelece que um apartamento pode ser submetido ao regime de arrendamento forçado se estiver desocupado por mais de dois anos. No entanto, o artigo 3º do Decreto-Lei 159/2006 prevê exceções à classificação do imóvel como devoluto. Uma exceção é quando o imóvel constitui a residência em território nacional de um emigrante português, conforme disposto no artigo 3º, alínea e).

No caso específico de João Castiço, um cidadão português que deixou o território nacional para exercer uma atividade remunerada na Suíça, onde reside permanentemente como emigrante, não há condições para considerar o imóvel de João como devoluto.

  • PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E VERTENTES

A norma que serve de base para a atuação do Réu, sendo ela inconstitucional, o ato administrativo também será ilegal por violação do princípio da proporcionalidade. O direito à propriedade privada é um direito fundamental, previsto pela Constituição no art.62º, e a Constituição ordena que quaisquer restrições aos direitos fundamentais devem ser necessárias, ou seja, proporcionais. Também importa dizer que o princípio da proporcionalidade é previsto constitucionalmente, no art.266º/2 CRP, como também no CPA, no art.7º. 

Este princípio da proporcionalidade foi violado em duas das suas três dimensões, ora não houve necessidade (proibição do excesso), nem proporcionalidade (sentido estrito), apesar de não ter sido violada a dimensão da adequação basta que não se verifique um dos pressupostos para que estejamos a violar o princípio da proporcionalidade. Este arrendamento constitui uma violação excessiva e desproporcional ao núcleo essencial do direito de propriedade privada, e mesmo que se considere uma medida idónea para alcançar o fim visado, ela não é com certeza a menos lesiva em concreto do direito fundamental de propriedade privada, dentro do universo das medidas abstratamente idóneas, pelo que, este fim de mobilizar imóveis devolutos poderia ser alcançado por meios menos lesivos.

Conclusões

Dados os vícios de forma como falta de audiência prévia, falta notificação e de falta fundamentação ao que acresce o erro na classificação do imóvel como devoluto e a violação do princípio da proporcionalidade além das questões controversas que se prendem com o direito de propriedade temos mais que fundamento para impugnar o ato administrativo.

Efetivamente, por maior que seja a crise do setor da habitação, a propriedade ser arbitrariamente retirada ou monopolizada pelo menos pelo Estado não é admissível.

Bibliografia e webgrafia:

-ALMEIDA, Mário Aroso de, Teoria Geral do Direito Administrativo, 10ª ed., Almedina, 2022

-AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, II, 4.ª ed., Almedina, 2021

-CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa - Anotada, Vol I, 4ªed., Coimbra Editora, 2007

-SILVA, Vasco Pereira da, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, 2016

-https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/competencias-fiscalizacao.html

-https://fra.europa.eu/pt/eu-charter/article/17-direito-de-propriedade

-https://bdjur.almedina.net/item.php?field=node_id&value=291804

-https://www.ovarnews.pt/arrendamento-forcado-entre-o-direito-de-propriedade-e-o-direito-a-habitacao-por-martim-guimaraes-da-costa/

-https://observador.pt/opiniao/o-arrendamento-forcado-de-casas-devolutas-e-legitimo-e-constitucional/

-https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/arrendamento-forcado-como-pode-avancar-uma-medida-que-nunca-ninguem-teve-coragem-para-aplicar

-https://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/-/EC0CE672E9DC6235802582970038808D

-https://www.alp.pt/a-alp/

-https://media.noticiasaominuto.com/files/naom_6425c39564f2a.pdf

Trabalho elaborado pelos alunos:

Bernardo Pereira de Lima

Carlota Monjardino

Gonçalo Avelar Henriques

Henrique Matos

Luísa Félix da Costa

Mauro Marques

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