Análise crítica da privatização da TAP e da sua nacionalização

15-11-2022

Como profere o Professor Diogo Freitas do Amaral:" A Administração pública é o sistema de órgãos, serviços e agentes do Estado, bem como das demais pessoas coletivas públicas, e de algumas entidades privadas, que asseguram em nome da coletividade a satisfação regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar."[1]

Deste modo, importa realçar que perante uma panóplia de necessidades coletivas que o Estado está encarregue de satisfazer é notável a tamanha dificuldade de concentrar e centralizar esse dever numa única pessoa coletiva. De modo a colmatar os fenómenos de concentração (respeitante ao número reduzido de órgãos aos quais são atribuídas competências para a prossecução dos fins) e centralização (resultante da mínima quantidade de pessoas coletivas que podem exercer a administração pública), o Estado vem adotar, por contraste, uma perspetiva descentralizada e desconcentrada, na medida em que sob diversos tipos de administração (seja indireta, autónoma e independente) vem a desdobrar-se em várias pessoas coletivas públicas ou privadas, cujo o número de órgãos a quem são atribuídas as necessárias competências é maior, o que facilita e torna mais eficiente o papel do Estado na administração pública.

Como referido, para além da administração direta do Estado que se afigura pela integração, na sua maior parte, por órgãos e serviços submetidos à hierarquia do Governo (pertencente à pessoa coletiva Estado) e ao exercício do seu poder de direção subdividido em ordens, no poder supervisão, poder disciplinar e ainda pelo respeito e obediência do subalterno.

O Estado pode optar por criar pessoas coletivas distintas deste, dotadas de personalidade jurídica própria e de autonomia administrativa para a prossecução dos seus fins, exercendo poderes de superintendência o que se traduz pela definição de objetivos e orientações relativas à atuação desta, e poderes de tutela administrativa que resulta na fiscalização do cumprimento da legalidade por parte da pessoa coletiva criada, assumindo a forma de administração estadual indireta. Por outro lado, há que referir a administração autónoma como aquela que prossegue interesses públicos próprios que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas atividades, sem sujeição a hierarquia ou a superintendência do Governo, podendo apenas exercer o poder de tutela. Por fim, em relação à administração independente cabe reconhecer entidades reguladoras que não estão sujeitas a poderes de hierarquia.

Mediante o desenvolvimento deste post, proponho uma análise do fenómeno da privatização da TAP e da sua nacionalização.

TAP é uma pessoa coletiva de direito público distinta do Estado, mas criada por este em 1945[2] cuja atribuição é assegurar a exploração dos serviços públicos de transporte aéreo de passageiros, carga, correio e as atividades que lhes sejam complementares, subsidiárias ou acessórias. Deste modo, através do processo de devolução de poderes, isto é, a transferência de uma parte dos poderes por parte do Estado para esta entidade dotada de personalidade jurídica permite enquadrar a TAP como pessoa coletiva pública que exerce a administração estadual indireta. Assim sendo, o Estado dispõe em regra do poder de nomear e demitir os dirigentes dessa entidade, possui o poder de lhes dar instruções e diretivas acerca do modo de exercer a sua atividade e tem o poder de fiscalizar e controlar a forma como tal atividade é desempenhada, (o que aconteceu mais recentemente com a autorização do Governo face ao aumento dos voos noturnos em Lisboa).

Para além disto, sendo a TAP uma empresa pública, (cuja definição pode ser tida como organizações económicas de fim lucrativo, criadas e controladas por entidades jurídicas públicas ,devendo atuar em termos de gestão privada, isto é, devem poder desempenhar as suas atividades de acordo com as próprias regras do direito privado[3]), tem maioria de capitais públicos visto que o financiamento inicial que serve para formar o capital da empresa é oriundo do Estado e por isso, controla os órgãos de administração e fiscalização da empresa. O Estado obterá a sua remuneração através do lucro líquido da empresa, sem prejuízo do pagamento dos impostos devidos sobre o mesmo lucro.

A TAP vem assim, contrastar com empresas cuja maioria do capital não pertence ao Estado ou outras entidades públicas, mas que possuem direitos especiais de controlo, exercendo influência dominante sobre ela. Tal como sabemos, em 2015 a TAP passou por um processo de privatização que foi revertido pela consequente nacionalização em 2016/17. Analisaremos em seguida os fenómenos da privatização e da nacionalização de empresas públicas.

Relativamente ao fenómeno de privatização é importante ter em consideração a lei-quadro das privatizações (lei nº 11/90, de 5 abril) que regula os aspetos essenciais deste processo.

Mas o que se entende por Privatização? Este fenómeno ocorre quando uma empresa pública ou uma instituição pública vende ao setor privado ações do seu capital social (que pelo artigo 8º nº3 da lei é da competência do conselho de ministros a escolha dos adquirentes), convertendo-se a empresa pública ou instituição (pessoa coletiva de direito público) em pessoa coletiva de direito privado.

Ainda que os objetivos da privatização possam divergir de um país para o outro, quase todos os processos de privatização procuram aumentar a eficiência, melhoria na qualidade do serviço (as empresas privadas, procurando maximizar o lucro, têm incentivo em cortar custos e serem mais eficientes), aumentar a concorrência (aumentando a competitividade do mercado, com a entrada de mais empresas para o setor, haverá um maior estímulo para a melhoria da eficiência), reduzir os custos do Estado relativos à dívida pública (com mais rigor tais objetivos estão consagrados nas alíneas do artigo 3º da lei referida). Por fim, as receitas do Estado provenientes deste processo serão, segundo o artigo 16º dessa lei, utilizadas essencialmente para amortização de dívidas. 

Por oposição, o processo de nacionalização consiste em caracterizar as empresas nacionalizadas como aquelas que foram empresas privadas e que num dado momento foram objeto de uma nacionalização, isto é, a transformação de uma empresa privada numa empresa pública.

Posto isto, estaremos em condições de comentar o sucedido na TAP em 2015 e a possibilidade de se verificar novamente em 2022/2023.

A TAP foi uma empresa privada, entre 2015 e 2016/17, com a venda direta de 61% das ações do seu capital social à Atlantic Gateway, SGPS, Ltd cujo processo de privatização foi conduzido pelo ex. Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho que se tornou essencial visto que, a TAP estava numa situação de rutura financeira (já não teria dinheiro para pagar salários nem combustível). No entanto este fenómeno gerou muita discussão por parte do PS que acusou o Governo de Pedro Passos Coelho de desrespeitar o parlamento ao concretizar a venda da maioria do capital da TAP. Tendo por isso, o atual Primeiro-Ministro António Costa avançado para a reversão do processo de privatização (em 2016/17). [4]

O que dizer sobre isto? Bem, talvez sob a minha perspetiva a privatização em 2015 teve todo o sentido tendo em conta a desastrosa situação financeira da TAP e como proferiu o Governo na altura: "o principal objetivo desta privatização não era o encaixe do Estado mas a recapitalização da TAP. Os acionistas privados têm de fazer aquilo que o acionista público está impedido de fazer, por regras europeias, pelo menos sem custo elevado: inserir dinheiro na empresa". Na auditoria do Tribunal de Contas este veio a criticar este processo de reversão defendendo que não conduziu ao resultado mais eficiente, porque não foi obtido o consenso necessário dos decisores públicos, tendo as sucessivas alterações contratuais agravado as responsabilidades do Estado e aumentado a sua exposição às contingências adversas da empresa.

Deste modo, parece-me que o processo de reversão da privatização da TAP pelo governo atual, se evidenciou como uma conduta precipitada uma vez que o Estado na altura não teria condições para melhorar os serviços da TAP ou para a sua manutenção, pelo que se reconduziria a um aumento da dívida pública. E ainda, a pretensão de maioria do capital reduziu-se a uma percentagem de 50% do mesmo, ficando o Estado como dono de apenas metade, assumindo as correspondentes responsabilidades financeiras, mas deixava a gestão operacional nas mãos dos acionistas privados (traduzindo-se para muitos como uma atuação incoerente). Contudo, reforçando a minha crítica, esta solução era desnecessária, visto que em muitos outros países, optou-se por caminhos alternativos bem mais razoáveis como a injeção de capital, a concessão de garantias públicas ou até, a compra de ações pelo Estado, mas numa posição minoritária.

Por outro lado, em 2020 com surgimento da pandemia e com o respetivo impacto orçamental das medidas de resposta e de apoio financeiro à TAP e SATA, o Conselho de Finanças Públicas indicou um défice superior a 5,7% das contas públicas. Face aos problemas financeiros atuais da TAP, devidos tanto à pandemia como à guerra, o governo anunciou ter a intenção de privatizar novamente, em pelo menos metade da transportadora aérea portuguesa.

A meu ver, creio que face a todas as adversidades que se têm verificado na TAP e as vantagens mencionadas da privatização, o melhor caminho será mesmo a sua aplicação por forma a garantir a viabilidade da TAP, entregando-a a um grande grupo de aviação, já que num mercado tão fortemente globalizado e competitivo esta não conseguiria sobreviver, a médio prazo, sozinha.

Em suma, muitos são os políticos e economistas[5] que condenaram a atuação do Governo de António Costa e denotam, sobretudo a contradição das suas decisões visto que em 2015 o PS liderado pelo atual primeiro-ministro, foi intensamente contra a privatização da TAP pelo que, mal assumiu o governo, António Costa não perdeu tempo em nacionalizar a empresa, e agora vem a anunciar a intenção de privatizar novamente. Acontece que, como muitos apontam o governo não teve uma boa gestão da empresa e prejudicou a economia portuguesa, e por conseguinte, as economias de todos os cidadãos. 

Posto isto, considero que a reversão da privatização conduzida pelo atual Primeiro-Ministro foi precoce, produzindo mais prejuízos do que propriamente benefícios já que foi altamente prejudicial quer para o aumento da dívida pública quer para os contribuintes que tiveram de suportar o custo. Nos dias que correm, creio que a maneira mais viável de conseguir colmatar todas as adversidades que estão na origem da situação financeira da TAP, é precisamente enveredar pelo processo da privatização novamente, tendo em conta todas as vantagens resultantes (mencionadas anteriormente).

Como profere, e na minha opinião com alguma razão, o político do PSD, Luís Montenegro: "Os contribuintes portugueses já puseram na TAP mais de três mil milhões de euros e não sabemos o que virá ainda a seguir. Agora anunciam a pretensão de privatizar a empresa. Isto é de um desnorte, desleixo e irresponsabilidade que não pode passar em claro."

Mariana Correia


[1] Diogo Freitas do Amaral, "curso de direito administrativo" vol 1, 3ºedição, pgs 33-34

[2] https://www.google.es/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwjmwLaZ8LD7AhVNhf0HHdy4B-UQFnoECAsQAQ&url=https%3A%2F%2Fwww.flytap.com%2Fpt-pt%2Fsuporte%2Fsobre-a-tap&usg=AOvVaw2jU1CtpOsSqiLRonJOh-_v

(site oficial da TAP)

[3] Diogo Freitas do Amaral, "curso de direito administrativo" vol 1, 3ºedição, pgs 410-412

[4] https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/transportes/detalhe/governo-quer-lancar-privatizacao-da-tap-ainda-este-ano

[5] Esta é "uma lição demasiado cara" feita com os impostos dos contribuintes, lamenta o economista João Duque, professor do ISEG.

A mesma opinião é partilhada pelo professor de aviação e turismo da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril (ESTHE), Rui Quadros.

https://www.dinheirovivo.pt/empresas/privatizacao-da-tap-corre-o-risco-de-ficar-deserta-e-perda-de-dinheiro-e-inevitavel--15255740.html

https://direito-administrativo-2022-2023-subturma-15.webnode.pt/posts-do-1o-semestre/?_ga=2.79216342.377432507.1668541693-1472931087.1668541693

Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora