Análise de um caso prático do Professor Paulo Otero
A sociedade comercial "Slow food and live slow" envolve uma exploração pecuária para 3 600 porcos de produção e uma exploração florestal de sobreiros no Município de Estremoz.
Estando há vários anos a tentar concretizar este projeto, José Lopes, gerente e sócio unipessoal da sociedade comercial que tenta realizar o projeto consulta-o, para o aconselhar sobre a melhor forma de resolver os vários problemas que tem.
Por um lado, porque o engenheiro ambiental que tem acompanhado o projeto assim o aconselhou, solicitou à CCDR (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional) do Alentejo a obtenção de uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA), tendo gasto milhares de euros com a preparação de um Estudo de Impacte Ambiental que lhe submeteu. Ao fim de sete meses e meio, recebeu uma resposta referindo que o projeto "foi encaminhado para a Agência Portuguesa do Ambiente, uma vez que era esta a entidade competente". Esta Agência decidiu emitir a DIA em 6 de janeiro de 2020, 65 dias após a receção da documentação, tendo dispensado a audiência dos interessados, uma vez que existiam razões de urgência, tendo em conta que os prazos de decisão do CPA já haviam sido ultrapassados.
A DIA emitida foi positiva, mas estabelece várias condições, como as seguintes:
"(…) 15. O interessado deverá assegurar que o número de suínos em exploração nunca é superior a 3.300;
16. A produção diária de efluentes não poderá exceder 50m3, uma vez que esse é o limite legal máximo para instalações desta dimensão;
17. O interessado deverá demonstrar de três em três anos que o projeto permanece financeiramente viável.".
Após a obtenção da DIA, a sociedade comercial "Slow food and live slow" submeteu um pedido de licença para a construção dos edifícios da exploração, o qual foi deferido vinte dias depois, através de uma deliberação da Câmara Municipal de Estremoz, adotada por dois votos a favor e um voto contra. José Lopes ficou surpreendido pela positiva pela deliberação e pelo facto de "nunca lhe terem pedido mais nada depois de submetido o pedido.".
Nessa deliberação menciona-se o seguinte: "delibera-se conceder a licença de construção à "Slow food and live slow" tendo em conta que não foi legalmente possível delegar a competência em questão, que foi obtida DIA positiva e que a área de construção não excede 3.000m2".
No dia 29 de março de 2020, a Agência Portuguesa do Ambiente notificou a "Slow food and live slow" do seguinte: "Retifica-se a DIA emitida em 6 de janeiro de 2020, passando as condições 15 e 16 constantes da mesma a ter a seguinte redação:
15. O interessado deverá assegurar que o número de suínos em exploração nunca é superior a 3.200;
16. A produção diária média de efluentes não pode exceder 50m3.
Dê-se conhecimento à Câmara Municipal de Estremoz".
José Lopes está muito preocupado com a rentabilidade da sua produção, pois receia que a exploração pecuária não seja viável nestes termos.
Por outro lado, a "Slow food and live slow" candidatou-se a um financiamento europeu para criar a sua exploração florestal de sobreiros. Os sobreiros têm vindo a ser plantados, mas, como se sabe, só daqui a muitos anos a cortiça poderá ser retirada e explorada. Entretanto, tem vindo a receber um subsídio anual de 20.000€ pela extensa plantação que fez, nos termos de uma decisão do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP), adotada pelo respetivo Conselho Diretivo.
Hoje, passados três anos da plantação dos sobreiros, recebe a seguinte notificação com surpresa: "tendo em conta que o limite legal máximo anual a conceder para a plantação de sobreiros é de 17.500€, solicita-se a V. Exa. que proceda à devolução do montante de 2.500€ x 3 anos, acrescidos de juros de mora, nos termos de despacho do Diretor do Departamento de Ajudas Diretas do IFAP".
José Lopes pergunta-lhe o que deve fazer para resolver estes assuntos relativamente ao seu projeto.
Resolução do caso:
Declaração de impacte ambiental - A CCDR era competente?
Lei especial do procedimento administrativo: avaliação de impacto ambiental
Decreto-Lei n.º 151-B/2013
Art. 8º/1/b – CCDR era competente
A APA era incompetente – incompetência absoluta; desvalor: nulidade
- Se era preciso realizar
Neste diploma há várias entidades competentes.
Agência Portuguesa do Ambiente é competente para os casos do anexo 1 exceto na suinicultura – CCDR
É obrigatório fazer o procedimento de avaliação do impacte ambiental nos casos do anexo 1.
Nos casos do anexo 1 do DL 151-B/2013 é sempre preciso fazer a avaliação do impacto ambiental, e um dos casos do anexo 1 é referente à exploração de suínos com mais de 3 000 porcos, e ele quer 3 600.
Portanto: A competência era da CCDR e era obrigatório fazer uma avaliação de impacte ambiental
A CCDR agiu bem ao enviar o pedido para a APA?
Não, pois como vimos anteriormente a APA não era competente.
Art. 41º, CPA
Qual era o prazo para decidir? Quais as consequências do seu incumprimento?
Art. 128º. 60 dias por iniciativa particular
Desvalor é nulidade, por incompetência absoluta da APA para a emissão da DIA
Existência de lei especial: 100 dias úteis (artigo 19.º/2):
- A DIA é emitida no prazo máximo de 100 dias, contados a partir da data de receção pela autoridade de AIA do EIA devidamente instruído, o qual é reduzido para 80 dias no caso de projetos sujeitos a licenciamento industrial, sob pena de deferimento tácito caso a mesma não seja notificada à entidade licenciadora ou competente para autorização do projeto até ao termo desses prazos.
- O prazo era de 100 dias, mas este prazo não se conta da forma normal favorável ao particular (eu entreguei a uma entidade com competência para receber), o regime jurídico de avaliação do impacte ambiental diz que o prazo é contado a partir do momento em que a autoridade competente recebeu.
Já passaram cerca de 225 dias após o particular (José Lopes), logo já passou o prazo, visto que já foi entregue à entidade competente, esta é que mandou mal para a Agência Portuguesa do Ambiente, portanto, ele entregou bem e o prazo começa a contar daí.
*No meio do procedimento, quando não for fixado nenhum prazo, este é de 10 dias úteis (artigo 86.º CPA) – prazo supletivo só para os atos intermédios dentro do procedimento, o prazo supletivo para a decisão é de 60 dias (artigo 128.º CPA)*
Neste caso temos um prazo especial – 100 dias úteis – mas contado desde o momento da receção da entidade competente e foi logo recebido por essa entidade.
Tendo em conta que o prazo foi ultrapassado dizemos que ocorreu o deferimento tácito, visto que há uma lei especial que diz isso (artigo 130.º CPA).
Forma de contagem: CPA, no silêncio do regime especial há 100 dias úteis
à Não há nenhuma razão que leve à suspensão do prazo
Consequência: deferimento tácito, art. 19º/2
Tinha de haver audiência dos interessados? (ou consulta pública)
Vício de forma por preterição de formalidade fundamental; desvalor: anulabilidade.
A urgência não pode ser invocada neste caso.
Art. 121º e seguintes
Existe uma violação do princípio da boa-fé em alegar urgência quando a urgência foi criada pela própria entidade administrativa que demorou muito tempo, logo não há fundamento para a dispensa da audiência dos interessados. O que significa que devia ter havido uma audiência ou consulta pública, e não tendo havido há um vício de forma.
Há violação do princípio da boa-fé na justificação da dispensa e portanto existe vício de forma por não poder ter sido dispensada. Isto afeta o ato final, a DIA emitida pela APA, quando já havia deferimento tácito.
Quando estamos a falar da audiência dos interessados, do facto de dever ter havido e não poder ser dispensada com máxima urgência, nós estamos a falar de um vício de um ato que vem depois do deferimento tácito.
As condições podiam ser incluídas na DIA?
Art. 18º/1 + 5, decreto-lei 151-B/2013
- A DIA pode ser favorável, favorável condicionada ou desfavorável, fundamentando-se num índice de avaliação ponderada de impactes ambientais, definido com base numa escala numérica, correspondendo o valor mais elevado a projetos com impactes negativos muito significativos, irreversíveis, não minimizável ou compensáveis.
- Portanto pode ter condições, mas não nos podemos esquecer que antes havia um deferimento tácito.
O que é que esta DIA faz à DIA obtida por deferimento tácito? Vai anulá-la.
A DIA tem dois vícios: vício de forma (falta de audiência dos interessados – anulabilidade) e outro vício de incompetência absoluta (nulidade) porque a CCDR é que é competente e não a APA.
O deferimento tácito permite ao particular fazer aquilo que pediu.
Ou seja, o deferimento tácito vem dizer ao José que pode fazer o que pediu – tem uma exploração para 3600 porcos e sem a limitação da DIA posterior quanto à descarga de efluentes. A seguir vem outro ato revogar este e vem dizer que não são os 3600 porcos mas sim 3200 e tem a condição da descarga de efluentes. O que está a acontecer aqui é uma revogação de um ato constitutivo de direitos, sem ser com fundamento na invalidade, apenas com fundamento no mérito.
Portanto: o ato da APA tem 3 vícios – incompetência absoluta (nulidade); vício de forma (anulabilidade) e ainda vício de violação de lei por revogar um ato constitutivo de direitos sem ser com fundamento na invalidade (anulabilidade). Esta DIA é nula.
Até que ponto, a DIA expressa pode afetar a DIA tácita?
Art. 167º/5
à Art. 165º/2/c)
Licença de construção
- Legitimidade do particular
Artigo 68.º CPA – há regras especiais em matéria de procedimentos urbanísticos onde decorre também que ele tem legitimidade.
É interessado direto, é a pessoa que quer construir.
A Câmara era competente?
art. 4º/2/c) DL 555/99 regime jurídico da urbanização e edificação
licença administrativa é necessária, é a CM que é competente para emitir a mesma, e depois é dada também uma ampla margem para esta delegar e subdelegar essa matéria no PCM e no vereador do urbanismo – art. 5º/1 do mesmo DL
Competência das Câmaras nestas matérias: artigo 33.º/1, alínea y).
Prazos
Artigo 23.º/1 RJUE – nada diz sobre se são dias úteis ou não por isso aplicamos o CPA – 45 dias úteis.
Não passaram os 45 dias úteis
Tinha de haver audiência dos interessados?
A audiência poderia ter sido dispensada, com fundamento no artigo 124.º/1, alínea f), porém tem de existir um ato de dispensa. Não havendo um ato de dispensa teria de existir a audiência, logo vício de forma, anulabilidade.
O quórum foi respeitado?
Lei 75/2013, especial face ao CPA, no art. 54º/1 é necessário que esteja presente a maioria do número legal dos membros para que o órgão da AL possa deliberar.
art. 57º/2/e) Lei 169/99 1 presidente e 6 vereadores, logo, eram necessárias 4 pessoas, assim estamos perante um vício de forma, com o desvalor de nulidade.
2 votos a favor e 1 contra não houve quórum
https://www.cm-estremoz.pt/pagina/camara-municipal/executivo-municipal/
Falta de quórum gera a nulidade – artigo 161.º/h CPA – vicio de forma
Quanto à maioria, foi respeitada?
A regra da maioria é a pluralidade de votos, ou seja, mais votos a favor que contra, o que resulta do artigo 54.º/2 da Lei 75/2013. Há maioria simples, 3 pessoas, pelo que foi respeitada a maioria (houve 3 votos);
O prazo foi respeitado? Consequências?
art. 16º/1/c) 555/99 + art. 17º/1 "1 — O conteúdo da informação prévia aprovada vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento ou autorização da operação urbanística a que respeita, desde que tal pedido seja apresentado no prazo de um ano a contar da data da notificação da mesma ao requerente"
Saber se a fundamentação para conceder a licença são válidos?
Quanto aos 3000m2: está dentro do seu poder discricionário invocar essas razões, não tendo excedido esse valor, está em cumprimento.
Quanto à DIA positiva: a Câmara não poderia deferir se a DIA fosse negativa, caso isso acontecesse o ato era nulo (art. 23.º RJUE)
Quanto à impossibilidade de delegar as competências: segundo o RJUE existe base legal para delegar essa competência. Neste caso estamos perante um erro de direito que provocaria um vício de violação de lei (anulabilidade) porque o fundamento é errado – ou seja, eles assumem que não era possível delegar a competência, quando na verdade era. Se estivermos, de facto, perante um vício de violação de lei, o ato de deferimento dele está viciado.
O que eles dizem leva a que haja um erro de direito, a provar que há uma ilegalidade, mas é quase uma ilegalidade que não interessa, isto porque eles têm a competência (praticaram um ato para o qual têm competência), estão é a agir no pressuposto errado que é: se achassem que podiam delegar a competência tinham de a delegar no dia, mas não deixam de ser competentes. Neste caso estamos perante uma: Irregularidade.
Ou seja, existe uma ilegalidade, mas é de tal modo fraca que não vale a pena.
Retificação: A APA é competente?
O regime da retificação está regulado no artigo 174.º CPA, que nos diz que podem proceder à retificação os órgãos competentes para a revogação do ato, o que nos remete para o artigo 169.º/2 CPA, que nos vem dizer que são competentes para a revogação dos atos administrativos os seus autores, mesmo que estes não sejam os órgãos competentes.
Acrescentando ainda que, tendo em conta o artigo 169.º/6, o órgão competente também pode proceder à revogação do ato praticado por órgão não competente.
Portanto: a APA, apesar de incompetente para praticar a DIA, era competente para retificar a DIA que emitiu.
- Isto é realmente uma retificação?
Uma retificação é o ato de correção de erros de cálculo, ou erros materiais ou ainda erros na expressão da vontade.
Neste caso, no ponto 15, não existe uma retificação. Ele altera o valor, portanto é uma revogação.
Quanto ao ponto 16, não temos dados suficientes para saber.
Vamos assumir que ambos os pontos não são retificações, mas sim revogações.
Quanto à primeira (ponto 15):
Há problema porque é um ato constitutivo de direitos. Estão a revogar sem ser com fundamento na invalidade, estão a retirar qualquer coisa ao ato, portanto vício de violação de lei, desvalor da anulabilidade.
Quanto à segunda (ponto 16):
É um ato constitutivo de direitos também. Mas estão a ampliar o direito ou a restringir o direito?
Tendo em conta que esta vem ampliar o direito (por ser uma média diária) então não há problema em sede de revogação nos termos da alínea a) do artigo 167.º/2.
A forma é uma retificação e não revogação. Vício: de forma (se aceitarmos que isto são formas) ou violação de lei (se aceitarmos que a forma não é o ato, mas sim a portaria, decreto regulamentar, etc.; e se entendermos que vai contra aquilo que é uma retificação)
Portanto a retificação tem problemas – nomeadamente o facto de não ser uma retificação mas sim uma revogação, e se for uma revogação o ponto 15 não poderia ser feito mas o 16 sim.
Decisão/Ato do IFAP
- A empresa tem legitimidade para se candidatar ao financiamento?
- O IFAP era competente?
195/2012 – artigo 3.º/2, alínea a).
Podia atribuir este subsídio porque tinha competência.
Legitimidade para fazer o pedido – artigo 68.º CPA porque é interessado direto
A notificação de devolução
- O Diretor do DAD do IFAP é competente?
Portaria 393/2012 – artigo 3.º - O DAD é competente
- Era necessária audiência prévia dos interessados?
- Podia ter sido pedida a devolução dos montantes?
- Podiam ter sido exigidos juros?
Art. 22º - Decreto-Lei n.º 151-B/2013
2 - O licenciamento ou a autorização do projeto deve indicar a exigência do cumprimento dos termos e condições fixados na DIA expressa ou na decisão expressa sobre a conformidade ambiental do projeto de execução.
3 - São nulos os atos praticados com desrespeito pelo disposto nos números anteriores
Inês Jacinto Mamede 67645