As Falhas do INEM I.P.

01-12-2022

Desde o verão do presente ano de 2022 que se verificam recorrentes atrasos no socorro médico, nomeadamente no socorro prestado pelo Instituto Nacional de Emergência Médica, I. P. Estes atrasos têm vindo a ser noticiados por diversos órgãos de comunicação social [1].

Tendo em conta o caráter urgente e imprescindível desta prestação, cumpre averiguar se estaremos a ser confrontados com uma grande falha da administração pública.

O Instituto Nacional de Emergência Médica, I. P., comumente conhecido como INEM I. P., insere-se na administração pública, sendo este, uma pessoa coletiva pública da administração indireta do Estado, ponto posteriormente abordado. O mesmo prossegue as atribuições do ministério da Saúde, nos termos do Art. 5.º, nº1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 124/2011 de 29 de Dezembro, estando, deste modo, e de acordo com o mesmo artigo, sob a superintendência e tutela do Ministério da Saúde. Esta superintendência e tutela é exercida pelo ministro da saúde, como disposto no Art. 25.º, nº3 alínea c) do Regime da Organização e Funcionamento do XXIII Governo Constitucional.

Os institutos públicos, como o INEM I.P., integram a administração indireta do Estado nos termos do Art. 2º, nº1 da Lei-Quadro dos Institutos Púbicos. Segundo o professor FREITAS DO AMARAL, o instituto público é "uma pessoa coletiva pública, de tipo institucional, criada para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas de carácter não empresarial, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa coletiva pública" [2]. Objetivamente, a administração indireta consiste na atividade administrativa do Estado, sob uma forma indireta ou mediata, para a prossecução dos seus fins por meio de entidades públicas dotadas de personalidade jurídica própria e de autonomia administrativa e, por vezes, também financeira. Daí se poder afirmar que o INEM I.P. se trata de uma pessoa coletiva da administração indireta do Estado.

O poder de superintendência que o Ministério da Saúde tem sobre o INEM I.P., consiste no poder que lhe foi conferido pela lei de definir os seus objetivos e guiar a sua atuação. Já o poder de tutela é, basicamente, um poder de controlo, que lhe permite fiscalizar a atuação deste instituto público e garantir que acata determinadas normas. Deste modo, podemos afirmar que o Ministro da Saúde, uma vez que tem poderes de superintendência e tutela sob o INEM I.P., é ele quem define os objetivos que este tem de seguir e o guia em direção dos mesmos, e que fiscaliza as suas atuações a fim de verificar o acatamento desses objetivos.

Em julho deste ano, aos 23 dias, foi noticiado um atraso de socorro pelo INEM I.P. de mais de uma hora, verificado dia 18 do próprio mês [3] que implicou o posterior falecimento de uma idosa, sendo que, talvez se tivesse ocorrido o socorro pré-hospitalar necessário na hora devida, poderia não se ter verificado o trágico desfecho. Mais se soube nessa notícia, pelo testemunho do presidente do sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar, que já haviam sido feitas denuncias a esses atrasos "ao longo dos tempos". Foi, devido a este caso em particular, que o INEM I.P. determinou a abertura de um processo de inquérito para apurar as circunstâncias que motivaram tal atraso. O presidente do sindicato revela, na entrevista que a notícia disponibiliza, que o sucedido se deve a uma "enorme escassez de técnicos de emergência hospitalar, que tem como consequência direta o encerramento de ambulâncias, e também os fluxos de triagem do INEM que estão desadequados". Foi, ainda, publicado no site oficial do INEM I.P., no mesmo dia 23 de julho, a afirmação que "A indisponibilidade momentânea de meios no sistema é uma situação pontual, alheia à vontade de todos os intervenientes." [4] . O certo é que se continuou a assistir a recorrentes atrasos do socorro pela entidade em questão, por consecutivos meses, o que me leva a crer não se tratar de uma mera situação "pontual". Prova de tal facto é a notícia de 21 de agosto [5], que aponta mais atrasos das ambulâncias, com tempos de espera de cerca de uma hora, à semelhança da notícia anteriormente revelada. Nesta segunda notícia, que data quase um mês após a transparência da escassez de técnicos, denuncia-nos o sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar que os atrasos se mantêm e "são às centenas". Ora, se passado um mês da ocorrência da denominada "situação pontual" se continuam a verificar casos similares é porque não estamos, de facto, perante algo meramente pontual. A mesma notícia revela que os registos a que teve acesso mostraram ainda que "houve um momento em que o INEM tinha em simultâneo dez casos à espera de uma ambulância, três dos quais há uma hora ou mais.". Não podemos descurar do facto de que, alguns destes casos que se encontravam à espera, poderiam tratar-se pessoas em riscos de vida e que o rápido socorro poderia ser determinante para a sua sobrevivência. Nada de "pontual" tem esta situação uma vez que, passados dois meses, três desde a primeira noticia À qual o INEM I.P. alega ser uma "situação pontual", continuam a ser noticiados diversos atrasos diários, com esperas superiores a uma hora. Não se pode alegar tratar-se de uma situação pontual quando tal facto se continua a verificar diariamente, durante meses seguidos. A 23 de outubro, saíram várias notícias, em diversos órgãos de comunicação social, que ilustraram a gravidade destes atrasos. Adianta-nos o Jornal de notícias [6] que "De janeiro a agosto, 1155 acionamentos do INEM atrasaram-se mais de uma hora." , e o Diário de Notícias [7] que "O INEM salienta que as situações classificadas como "prioridade 1" (que comporta risco imediato de vida) que esperaram uma hora ou mais pelo envio de meios de emergência "foram menos de duas por dia" , o que é algo inadmissível porque, como bem se sabe, a vida humana é inviolável, tal como previsto no Art. 24.º nº1 da Constituição da República Portuguesa, pelo que casos que comportem risco imediato de vida não deveriam ser, de forma alguma, submetidos a esperas tão longas, como uma hora, sendo uma grande falha e irresponsabilidade deixar, um caso que seja à espera quando toca à vida de alguém. Nesse mesmo dia é novamente apontada como principal causa desses recorrentes atrasos a "falta de técnicos de emergência pré-hospitalar" [8].

De julho a outubro não se verificou solução para o problema em questão, pelo contrário, veio a verificar-se um agravamento da situação, cuja causa apontada é sempre a mesma: a falta de técnicos. É então, neste ponto, que se verifica uma falha a nível da administração.

O INEM I.P vê a sua organização interna e respetivos estatutos previstos na Portaria n.º 158/2012 de 22 de maio. Neste diploma, verificamos, no Art. 6.º as unidades de apoio e logística desta entidade, sendo que a mais relevante para este caso é o previsto na alínea a), tratando-se ele do Departamento de Gestão de Recursos Humanos. A este departamento compete, nos termos da alínea f) do Art. 7.º, "Assegurar as atividades inerentes ao recrutamento, seleção e acolhimento dos trabalhadores". Deste modo, a responsabilidade de solucionar o problema da falta de técnicos passa, primeiramente, pelo Departamento de Gestão de Recursos Humanos, sendo que, para fazer face à escassez de técnicos, deveria este departamento proceder ao recrutamento de um número suficiente de trabalhadores capaz de suprimir os excessivos tempos de espera, passando depois a responsabilidade ao Departamento de Formação em Emergência Médica, para que este certificasse a formação destes novos recrutamentos, nos termos do Art. 5.º alínea i) do mesmo diploma. Posteriormente a estes passos, seria necessária a boa gestão da frota do INEM I.P para que fosse garantida a sua operacionalidade, pertencendo já essa responsabilidade ao Gabinete de Logística e Operações, nos termos do Art. 9.º, alínea b).

Quanto aos sistemas de triagem desadequados, a problemática é a nível do SIEM, Sistema Integrado de Emergência Médica, que é todo o sistema desde que se liga para o 112 (número europeu de emergência), até serem acionados os meios de emergência. O Departamento de Emergência Médica, pelo disposto no Art. 4.º, alínea a), deve proceder a uma avaliação periódica do funcionamento do SIEM, pelo que, ao verificar que os sistemas de triagem se encontram desadequados, deveria proceder então a uma coordenação mais eficiente do mesmo. Para facilitar essa coordenação mais eficiente, compete ao Departamento de Formação em Emergência Médica, nos temos do Art. 5.º alínea a), a formação em emergência médica dos vários intervenientes do SIEM.

Contudo, verificada a falha administrativa do INEM I.P., enquanto pessoa coletiva da administração indireta e sob superintendência e tutela do Ministro da Saúde como visto já anteriormente, poderia o Ministro da Saúde exercer o seu poder tutela, fiscalizando as suas atuações, visto terem sido alvo de notícias recentemente, para que depois, exercesse o seu poder de superintendência de modo a melhor as guiar rumo ao seu objetivo, não deixando, assim, indivíduos que vêm a sua vida em risco iminente, à espera mais tempo do que conseguem para que lhes seja prestado socorro.

Estamos perante situações de extrema importância, implicando a vida de inúmeras pessoas, tendo-se apenas assistido a agravamentos. O que me leva a acreditar que esta falha do INEM I.P enquanto pessoa coletiva da administração indireta do Estado, ultrapassa determinados limites, podendo estar envolvida também uma certa falha do Ministro da Saúde por não exercer os seus poderes.


Raquel Esteves


[1] De entre os consultados, nomeadamente, a SIC Notícias, a RTP, o Observador, o jornal Público, o Jornal de Notícias, o Diário de Notícias, TSF.

[2] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo Vol. I, 4ªedição, pág. 311.

[3] https://www.tsf.pt/portugal/sociedade/inem-abre-processo-de-inquerito-para-apurar-atraso-na-assistencia-a-mulher-em-lisboa-15042362.html

[4] https://www.inem.pt/2022/07/23/esclarecimento-sobre-atraso-na-assistencia-a-utente-em-lisboa/

[5] https://www.dn.pt/sociedade/dois-doentes-cardiacos-tiveram-de-esperar-cerca-de-uma-hora-por-ambulancia-acusa-sindicato-15106117.html

[6] https://www.jn.pt/nacional/cinco-ambulancias-por-dia-com-mais-de-uma-hora-de-atraso-15279035.html

[7] https://www.dn.pt/sociedade/inem-demorou-uma-hora-ou-mais-a-acionar-meios-em-mais-de-mil-chamadas-15280788.html

[8] https://sicnoticias.pt/pais/2022-10-23-Atrasos-no-socorro-Liga-diz-que-numero-de-ambulancias-e-insuficiente-460f9eae

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