Comentário acórdão (outro)

16-12-2022

Por Henrique Matos

Emissor: Supremo Tribunal Administrativo

Tipo: Acordão

Data de Publicação: 2014-04-29

Processo: 01097/13


Resumo do litígio :

Estamos na presença de um caso em que A., LDA. autor na ação administrativa especial que instaurou contra o MUNICÍPIO onde impugnou os seguintes atos, ali assim identificados: (1) o ato de delegação de poderes constante do Despacho n.º 070/PRES, praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...) em 22/11/2005, no que concerne aos poderes indicados no ponto 9 do mesmo;

(2) o ato de subdelegação de poderes constante do Despacho n.º 157/2011-VEF, praticado pela Vereadora E. em 25/02/2011, no que concerne aos poderes indicados na alínea c) do ponto 4 da parte I do mesmo, e

(3) o ato de delegação de poderes constante do Despacho n.º 56/2013-PRES, praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...) em 21/01/2013, no que concerne aos poderes indicados na Parte II do mesmo;

(4) o ato de subdelegação de poderes constante do Despacho n.º 166/2011, praticado pelo Diretor de Departamento J. em 03/03/2011, no que concerne aos poderes indicados na parte II do mesmo (...);

(5) o ato de subdelegação de poderes constante do Despacho n.º 65/2013, praticado pelo Diretor de Departamento J. em 22/01/2013, no que concerne aos poderes indicados na parte II do mesmo, peticionando a sua declaração de nulidade ou inexistência e bem assim a condenação do réu Município a praticar todos os atos e operações materiais que se revelarem necessários à reconstituição da situação atual hipotética à data da execução da sentença anulatória


A.,LDA, alega que a competência para determinar a instauração do processo contra-ordenacional e a competência para designar o respectivo instrutor, previstas no n.º 10 do artigo 98.º do RJUE e relativas ao universo de contra-ordenações urbanísticas que este artigo 98.º prevê, não podem ser delegadas nos dirigentes dos serviços municipais, e considera que sentença proferida pelo Tribunal a quo se encontra ferida de erro na aplicação do Direito, ao não interpretar o enunciado normativo que se retira do artigo 98.º, n.º 10 do RJUE no sentido da não permissão de delegação da competência de instauração do processo de contra-ordenação e de designação do respectivo instrutor, que pertence ao presidente da câmara municipal, nos serviços municipais e que assim, não deveria ter sido interpretada a referida disposição legal no sentido de a mesma não impedir a aplicação dos artigos 68.º, n.º 2, alínea p) e 70, n.º 3, alínea m) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, que permitem, a delegação da competência de instauração do processo contra-ordenacional e de designação do respectivo instrutor nos serviços municipais.

A.,LDA quer que os actos de delegação de competências e todos os actos praticados ao abrigo de tais operações, estão feridos de invalidade administrativa: os primeiros são nulos, visto que envolvem a disposição para os dirigentes dos serviços municipais de competências que, pela sua natureza e por força do RJUE, somente poderiam ser delegadas nos vereadores; os segundos são inexistentes uma vez que (i) são consequentes de actos juridicamente nulos, (ii) são praticados por um agente (e não por um órgão) que, por natureza, é insusceptível de manifestar uma vontade imputável à Administração, e (iii) têm por objecto uma disposição impossível ou, no mínimo, ilegal de competências administrativas.


A autora entende que devem ser declarado nulos os 3 primeiros atos de delegações de competências, por envolverem a disposição para os dirigentes dos serviços municipais de competências que, pela sua natureza e por força do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), somente poderiam ser delegadas nos vereadores; e considera que devem ser declarados inexistentes os outros dois por serem consequentes de atos juridicamente nulos e praticados por um agente (e não por um órgão) que, por natureza, é insuscetível de manifestar uma vontade imputável à Administração, e terem por objeto uma disposição impossível ou, no mínimo, ilegal de competências administrativas.


a questão essencial a decidir é a de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação dos artigos 98.º, n.º 10 do RJUE (DL. nº 555/99) e 68.º, n.º 2, alínea p) e 70, n.º 3, alínea m) da Lei das Autarquias Locais (Lei n.º 169/99)


Pensamento do juiz

Em primeiro lugar, tal como vem sustentado pelo Réu, o facto de o RJUE prever [apenas] a delegação da aludida competência nos respectivos membros [vulgo Vereadores] da Câmara Municipal não tem a virtualidade de afastar a aplicação do referido normativo [artigo 70.º, n.º 3, alínea m)] da Lei das Autarquias Locais [que permite a delegação nos dirigentes dos serviços municipais], seja porque estas soluções da LAL foram deliberadamente mantidas pelo legislador no artigo 38.º, n.º 3, alínea l), da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro [o que só pode significar que o Legislador, ciente da existência daquela norma (aparentemente incompatível) do RJUE, optou por, ainda assim, manter a possibilidade de delegação e subdelegação daquela específica competência nos dirigentes dos serviços municipais


Situação distinta verificar-se-ia se, porventura, o RJUE proibisse expressamente a possibilidade de a competência para a instauração de processos de contra-ordenação ser objecto de acto de delegação nos dirigentes dos serviços municipais.

Todavia, não é esse o caso como o demonstra o seu elemento gramatical.


Portanto, considera este Tribunal que, contrariamente ao que vem sustentado pela Autora, a competência para determinar a instauração do processo de contra-ordenação e para designar o respectivo instrutor, podia e pode ser delegada e subdelegada nos dirigentes dos serviços municipais, nos termos do artigo 70.º, n.º 3, alínea m), da Lei das Autarquias Locais [actual 38.º, n.º 3, alínea l), da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro]. Mas porquê? porque a falta de indicação expressa no RJUE da possibilidade de delegação e subdelegação nos dirigentes dos serviços jamais poderia significar, a contrario, o afastamento da Lei geral e porque mesmo tendo presente o argumento histórico, seria paradoxal que a Assembleia da República (AR), em Lei de 18 de Setembro [a "LAL"], conferisse um poder de delegação com determinado âmbito [alargado], para vir o Governo, no mesmo ano, apenas cento e um dias mais tarde, derrogar, restringir, tal concessão, no DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro [paradoxo este que sempre sairia reforçado pelo facto de o Governo, no caso do DL n.º 555/99, legislar mediante autorização legislativa da AR, dada para matéria distinta da por si mesma regulada na LAL], ao que acresce facto de o RJUE estipular expressamente os casos em que as competências podem ser delegadas e subdelegadas não significa, uma vez mais, que, a contrario, isto é, em caso de silêncio, se tenha pretendido afastar a solução que decorre do regime geral e especificamente aplicável à administração local ["LAL"]


Decisão

O tribunal entendeu que contrariamente ao que é sustentado pela Autora, a competência para determinar a instauração do processo de contra-ordenação e para designar o respectivo instrutor, podia e pode ser delegada e subdelegada nos dirigentes dos serviços municipais, nos termos do artigo 70.º, n.º 3, alínea m), da Lei das Autarquias Locais [actual 38.º, n.º 3, alínea l), da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro] e articulado com isto vem que não existe qualquer violação do princípio da irrenunciabilidade e da inalienabilidade das competências legalmente conferidas aos órgãos administrativos e previsto no artigo 29.º do CPA de 1991

De harmonia com o mencionado acima acordaram os juizes da secção de contencioso administrativo do tcan negar provimento ao recurso.


Comentário

Diz nos o professor Freitas do Amaral que a delegação de poderes consiste no ato pelo qual um órgão da Administração, normalmente competente para decidir em determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou agente pratiquem atos administrativos sobre a mesma matéria. Acrescenta ainda o professor João Caupers que a delegação de poderes constitui uma verdadeira auto-repartição da capacidade de decisão.E neste âmbito o professor Freitas do Amaral estabelece 3 requisitos para a delegação de poderes , a saber:

1)A lei tem de prever expressamente a faculdade de um órgão delegar poderes noutro, chamada a lei da habilitação, art 44cpa . Sendo a competência irrenunciável e inalienável só pode haver delegação de poderes com base na lei. Acrescenta a crp pelo seu artigo 111/2 que nenhum órgão de soberania pode delegar os seus poderes noutros órgãos a não ser os casos previstos na lei , em sintonia com isto surge o art 36 cpa . Sem habilitação da lei a delegação é ilegal - nula, por envolver uma renúncia ou alienação de competência, ficando os actos que venham a praticar-se ao abrigo dela feridos também do vício de incompetência que pode ser relativa gerando anulabilidade ou absoluta gerando nulidade Art 161 n2b) e 163 n1 cpa.


2)Existência de dois órgãos, ou de um órgão e um agente, da mesma pessoa coletiva, ou de dois órgãos de pessoas coletivas distintas, dos quais um seja o órgão normalmente competente (delegante) e outro, o órgão eventualmente competente (delegado),47 cpa;

3)Prática de um ato de delegação, isto é, o ato pelo qual o delegante concretiza a delegação dos seus poderes no delegado, permitindo-lhe a prática de certos atos na matéria sobre a qual é normalmente competente

É ainda necessário publicação do acto de delegação e sub-delegação nos termos do 47 n2 e 159CPA

E que aplicando ao caso concreto podemos concluir que se manifestaram estes requisitos , caso contrário o tribunal teria agido de outra forma.

Mas ainda relativamente a este último pressuposto João Caupers discorda dizendo que o que importa é a relevância da vontade do delegante e nao o ato de delegação propriamente dito ,considera que ser possível existir delegação sem a prática de um ato juridica sendo suficiente uma omissão juridicamente relevante , ilustra isto com o caso da delegação tácita caso em que a lei de habilitação em vez de prever o ato de delegação considera determinados poderes delegados a não ser que o delegante manifeste a sua discordância. Quanto ao tema da delegação tácita o professor Freitas do Amaral entende que não constitui uma uma espécie de delegação de poderes mas sim uma espécie de desconcentracao originária resultante diretamente da lei.


Há várias espécies de habilitação para a prática de delegação de poderes , por um lado temos a genérica ,onde a lei permite que determinados órgãos deleguem sempre que quiserem alguns dos seus poderes noutros orgaos , de maneira que uma única lei de habilitação sirva de fundamento a qualquer ato de delegação relativo a esses órgãos , por outro temos temos a especifica. 44 cpa

É importante esclarecer que no art 44n3 in fine ocorre uma limitação fulcral que é atos de administração ordinária, só são passíveis de serem delegados poderes para a prática de atos de administração ordinária , mas o que sao estes atos ? O prof Freitas do Amaral esclarece ,os atos de administração ordinária sao todos os atos nao definitivos ou atos definitos que sejam vinculados ou cuja discrioriedade nao tenha significado , por oposição aos atos de administração extraordinária que sao atos definitivos ou que constituam orientações gerais novas ou ainda de não seguir as existentes.


Nesta senda quanto as espécies de delegação eles podem ser a)do ponto de vista da sua extensão podem ser amplas ou restritas conforme o

delegante resolva delegar uma grande parte dos poderes ou apenas uma pequena parcela deles, há aqui ainda uma proibição que é a das delegações total , é proibida pelo art 45 a) cpa se se permitisse isto estaríamos a aceitar que poderíamos renunciar exercício do cargo no sentido de não ter de trabalhar e limitar-nos a receber o salário , este artigo proíbe também que sejam delegados os poderes suscetíveis de serem exercidos sobre o próprio delegado. E por fim quanto ao objeto da delegação pode ser especifica ou genérica, ou seja,pode abranger a prática de um ato isolado (quando realizado, a delegação caduca) ou permitir a prática de uma pluralidade de atos.


E quanto aos poderes do delegante ? Bem ,a doutrina diverge ,por um lado temos Marcello Caetano e André Gonçalves que consideram que a após o ato de delegação o delegante não perde nem os seus poderes nem a possibilidade de os exercer por outro surge Freitas do Amaral que entende que aquela concepção não faz sentido uma vez que não haveria lógica em um delegante delegar poderes ao delegado para depois continuar a exerce-los, esclarece nos então que em cada momento há apenas um órgão competente e a partir do momento em que ocorra a delegação só o delegado pode exercer os poderes delegados sem prejuízo o delegante ter efetivamente a faculdade de dar ordens,diretivas e instruções ao delegado nos termos do 49/1 cpa e de avocação, revogação e anulação nos termos do 49/2 cpa

De forma semelhante também é discutido qual a natureza jurídica da delegação de poderes ao qual surgem 3 teorias ,a)a tese da alienação -a delegação de poderes é um ato de transmissão ou alienação da competência do delegante para o delegado, ou seja a titularidade dos poderes que pertencia ao delegante antes da delegação passa para a esfera de competência do habilitado. B)tese da autorização- a competencia do delegante nao é alienada nem transmitida para o delegado sendo que a lei de habilitação nas matérias em que permite a delegação confere uma competencia condicional ao delegado ,antes da delegação o delegado já é competente, contudo só pode exercer a competência quando o delegante permitir,desta forma o ato de delegação tem natureza de autorização. C) por fim temos a tese da transferência do exercício que é a defendida pelo professor Freitas do Amaral,segundo este a delegação não é uma alienação nem uma autorização, a competencia resulta do ato de delegação e nao da lei de habilitação. A delegação de poderes é uma transferência do exercício de poderes do delegante para o delegado


Para uma melhor compreensão do acórdão cabe introduzir os temas de município e câmara

Os municípios é uma pessoas coletivas públicas de cariz territorial e corresponde a autarquia local que visa a prossecução de interesses próprios da população residente na circunscrição concelhia, mediante órgãos representativos por ela eleitos. O artigo 23 da Lei 75/2013 estabelece sobre as atribuições do município.

Os orgaos do município sao a assembleia municipal,a câmara municipal, o presidente da câmara,o Conselho Municipal de Educação e o Conselho Municipal de Segurança .

Dentro da lei 75/2013 estão elencadas As competências do presidente da câmara no art 35 e as da câmara municipal no art 33, as atribuições do município no art 23 , e as competências da assembleia no art 24 e 25


A decisão do Tribunal Central Administrativo Norte foi em total conformidade com a lei tendo sido a decisão mais acertada negar o provimento do recurso pelos motivos supra mencionados 

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