Cumprimos ou “Com Primos”
Cumprimos ou "com primos"
Princípio da imparcialidade
https://expresso.pt/politica/2019-08-06-cumprimos-ou-com-primos--Iniciativa-Liberal-abre-guerra-de-cartazes-com-o-PS
«Cumprimos ou "com primos"? Iniciativa Liberal abre guerra de cartazes com o PS»
Este é o título que me traz a refletir, que podemos encontrar no Jornal O Expresso: uma notícia acerca do começo da campanha eleitoral de dois partidos políticos com diferentes orientações ideológicas: o PS, Partido Socialista e a IL, Iniciativa Liberal.
Em contraposição com aquilo que está exposto no cartaz do Partido Socialista, o cartaz do Iniciativa Liberal aponta aqueles que são, segundo o seu entendimento, os maiores erros e pontos negativos na direção do país por parte do atual Governo- as mais diversas & alegadas relações de promiscuidade entre cargos públicos e laços familiares.
Podemos então questionar qual será a pertinência desta notícia para que seja partilhada neste blogue. Além de apresentar números e fazer as alegações que podemos ver no cartaz em causa, existe portanto uma em específico que nos interessa ainda mais do que qualquer outra componente do mesmo.
Essa componente vem a ser aquela que se encontra numa maior chamada de atenção e que salta logo à curiosidade. «#Com Primos e outros familiares no Governo.» Pois bem, parece-me bastante evidente o motivo que levou esta notícia a suscitar tanto interesse e se enquadre tão bem entre os temas aqui abordados.
O ataque presente no cartaz relativo à polémica que foi levantada quanto às relações familiares existentes entre membros do Governo, polémica que acabaria por ficar designada de "familygate", é o que torna este tema relevante.
Dispostos no art.266º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, encontramos os princípios que devem ser respeitados pela Administração Pública aquando da sua atuação. Não desfazendo do crucial papel de todos os outros princípios (legalidade, proporcionalidade, justiça e boa-fé) e da indissociabilidade dos mesmos em todos os temas de relevo, focar-nos-emos no referido princípio da imparcialidade.
Mais aprofundadamente, encontramos a disposição relativa ao último princípio mencionado no art.9º do Código de Procedimento Administrativo, CPA.
Passo a citar, "A Administração Pública deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação, designadamente, considerando com objetividade todos e apenas os interesses relevantes no contexto decisório e adotando as soluções organizatórias e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção.".
A partir desta disposição legal, facilmente podemos tomar a expressão "imparcial" à letra, ficando então a saber que se refere a um ato decisório realizado por alguém sem que nenhuma das partes beneficie ou perca perante a preferência do terceiro decisor na parte que mais interesse lhe desperta. Uma decisão que respeite este princípio, é uma decisão que comporte critérios objetivos de interesse público sem que haja influência de ninguém, havendo uma ponderação isenta e equidistante.
Para este efeito, são enumeradas as garantias de imparcialidade nos arts.69º a 76º do CPA, maioritariamente relativas ao impedimento gerado pela vertente negativa do princípio que está a ser tratado e que será tratada adiante.
Encontramos um facto elucidativo no manual do professor Freitas do Amaral referente à estátua que representa a justiça que, para além da balança na mão representante da justiça, tem uma venda nos olhos, que nos remete então para o principio da imparcialidade, uma vez que o decisor terá que estar acima das partes e "sem ver" aquela que for a decisão que mais lhe interessa para que tome a decisão mais justa, por este motivo, sem que haja imparcialidade não haverá justiça, daí estes princípios andarem constantemente "de mãos dadas".
Focando de novo apenas no princípio da imparcialidade, importa referir que este possui duas vertentes, uma vertente positiva e uma vertente negativa.
Vertentes estas que diferem por uma impedir totalmente certas intervenções por partes que possam ter efetivamente interesses que terão influência na sua decisão (negativa) e outra por impor que haja uma prévia ponderação que tenha em conta aqueles que são os interesses públicos que relevam para a matéria em questão (positiva).
Quanto à vertente negativa, que impede certas intervenções, estão estipuladas inúmeras garantias de imparcialidade nos arts.69º a 76º do CPA, como já referido, medidas que visam impedir absolutamente a que haja decisões "manipuladas", por assim dizer. Dentro desta vertente, segundo o professor Freitas do Amaral, temos as situações de impedimento (na qual o órgão decisório é obrigatoriamente substituído por outro devido à sua parcialidade) e a de sujeição (não comporta necessariamente a substituição do órgão, mas possibilita a que seja requerida a escusa de participação no ato em causa), situações que no entender dos Professores André Salgado de Matos e Marcelo Rebelo de Sousa correspondem a situações de impedimento absoluto / relativo, respetivamente. A situação de impedimento ou de impedimento absoluto é grave, como podemos averiguar pelas sanções que lhe são impostas em caso de violação da mesma, expressas no art.76º do CPA, que conduz, designadamente, à anulabilidade do ato/contrato, pode impor punição disciplinar e até objetivar dever de indemnizar.
Caso sejam respeitadas as duas vertentes, estamos perante a verificação do princípio da imparcialidade.
Quanto ao caso em concreto do cartaz em questão, poderia eventualmente haver uma violação quanto a um impedimento de suspeição ou relativo, que vem disposto como fundamento de escusa no nº1, alínea a) do artigo 73º CPA, caso os sujeitos em causa fossem parentes em linha reta ou até ao 3º grau da linha colateral, no entanto, sabemos que um "primo" já pertence ao 4º grau da linha colateral. Conferido o grau de parentesco dos sujeitos em questão, se não houver então parentesco que justifique o requerimento de escusa, aplicar-se-ia o disposto no nº2 do mesmo artigo, que nos diz que por motivo semelhante se pode requerer o afastamento do agente em causa. Nesta situação, apelidada de "familygate", foram alegadamente tomadas todas as medidas e ponderações necessárias para que tal ato decisório fosse executado e garantido e respeitado o princípio da imparcialidade.
Lourenço Maria Amaral, Turma B
Subturma 15, nº61375
Bibliografia:
- D. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, 4ªed., Coimbra, Almedina, 2018
- M. Rebelo de Sousa e A. Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, I, 3ª ed., Coimbra, Almedina