Dever de Obediência

15-12-2022

O cerne deste post é de um conceito que gera alguma controvérsia entre a doutrina atual, não só nacional como internacional. O conceito em que se baseia esta exposição é de Dever de Obediência, que é definido pelo professor Diogo Freitas do Amaral, como "a obrigação de o subalterno cumprir as ordens e instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço sob forma legal".

Da visão do professor perante este tema sobressaem-se três condições basilares para se tenha um verdadeiro dever de obediência. Em primeiro lugar a ordem deverá ser emanada por um superior da mesma cadeira hierárquica, o segundo requisito advém da obrigação de que a ordem seja dada em matéria de serviço, isto é, a esta deverá ser dada consoante a função do respetivo agente administrativo e dentro daquilo que respeita a normal relação administrativa. Por fim o último requisito necessário está relacionado com a exigência da forma legal desta ordem quando assim esteja previsto.

Desta forma podemos concluir que na visão do professor Freitas do Amaral uma verdadeira ordem que possa gozar do dever de obediência terá de preencher os três requisitos acima descritos, caso isto não aconteça poderá em princípio o subalterno recusar-se ao seu cumprimento.

Sobre este conceito até este ponto não existem grandes discussões e muito menos divergências, a situação torna-se mais complexa quando uma ordem, mesmo cumprindo todos os requisitos elencados pelo professor Freitas do Amaral, tem um conteúdo ilegal ou ilícito. Suscita-se então a questão, deverá ainda o subalterno acatar esta ordem, acima destas ilicitudes ou mesmo ilegalidades deverá sempre vigorar o dever de obediência?

Sobre esta temática, ainda na conceção do Prof. Freitas do Amaral este estabelece duas hipóteses relativas á ilegalidade das ordens dadas pelo superior hierárquico. Distingue-se então a possibilidade da ordem "extrinsecamente" ou "intrinsecamente" ilegal. Uma ordem pode ser considerada extrinsecamente ilegal quando, a título de exemplo, provenha de um órgão que não seja legitimo superior do subalterno ou quando uma ordem diga respeito a um assunto particular da vida do superior ou mesmo do subalterno, ou ainda que a mesma tenha sido dada de forma verbal e a lei exija para esse ato uma forma escrita, nestes casos o subalterno não ficaria vinculado ao cumprimento desta ordem. Já a segunda hipótese, definida pelo professor como "intrinsecamente" ilegal, verifica-se quando o subalterno recebe uma ordem que provém de um legitimo superior hierárquico e que se debruce sobre matérias do serviço, mas que seja "intrinsecamente" ilegal ou seja que implique algum comportamento ilegal por parte do subalterno para que o mesmo possa cumprir a ordem dada. Esta segunda hipótese é a que suscita mais duvida entre as mentes do Direito Administrativo e a Doutrina tem defendido diversas posições quanto á temática e o que deve ser feito pelo subalterno nos casos em que a ordem se verifique "intrinsecamente" ilegal.

Para tentar solucionar a esta questão irei então recorrer a duas grandes correntes administrativas que versam sobre esta matéria, mas que apresentam soluções dispares, a corrente hierárquica e a corrente dualista.

Antes de mais, é de destacar que mais importante que aprofundar cada uma destas teorias, é relevante saber o que se aplica no Direito vigente no nosso estado. O sistema que prevalece atualmente é um sistema legalista, porém mitigado, resultante do artigo 271º nº 2 e 3 da CRP e do artigo 177º da LGTFP (Lei geral do trabalho em funções públicas). Logo é possível retirar deste regime que não haverá dever de obediência: senão em relação aos comandos emanados de legítimo superior hierárquico, em objeto de serviço e com forma legal mesmo em relação a estas, não há dever quando o cumprimento do comando implique a prática de um crime ou quando provenham de ato nulo. Há dever de obediência: em relação a todos os restantes comandos que emanarem de legítimo superior hierárquico, em objeto de serviço, com forma legal, e não implicarem a prática de um crime nem resultarem de um ato nulo; contudo, se forem comandos ilegais, o funcionário ou agente que lhes der cumprimento só ficará excluído da responsabilidade pelas consequências da execução da ordem se antes da execução tiver reclamado ou tiver exigido a transmissão ou confirmação delas por escrito (Direito de respeitosa representação). Quando, porém, tenha sido dada ordem de cumprimento imediato, basta para a exclusão da responsabilidade de quem a cumprir que a reclamação seja enviada logo após a execução.

A corrente hierárquica defende a prevalência do dever de obediência, não estando dentro das funções do subalterno sequer questionar a legalidade da ordem que lhe é atribuída pelo seu superior hierárquico, os defensores desta corrente tendem a admitir que a possibilidade de o subalterno questionar a legalidade das normas é exatamente ir contra a razão de ser da hierarquia. Nestes casos e para ainda se admitir a proteção do subalterno quanto á pratica de ilegalidades ou ilicitudes, este poderá recorrer ao direito de respeitosa representação junto do seu superior hierárquico e expondo-lhe as suas dúvidas, mas tendo sempre de cumprir com aquilo que foi decidido pelo respetivo superior. Sumariamente podemos descrever o direito de respeitosa representação como um direito que os subalternos têm de pedir ao seu superior que passem as ordens por escrito, e se as mesmas já tiverem sido enviadas por escrito devido á forma legal exigida, que as confirme de forma a desresponsabilizar o subalterno de qualquer ato que praticar como forma de cumprimento da ordem pedida. Esta posição é defendida por nomes como Otto Mayer; Laband ou mesmo Marcello Caetano.

Por outro lado, existe também a correte legalista, que por sua vez defende a inexistência de dever de obediência a quando de ordens julgadas ilegais. Esta corrente é apoiada por nomes como Hauriu e Jezé ou Orlando e Santi Romano. Esta corrente tem assim uma visão mais restritiva, uma posição intermédia e uma posição mais ampla.

A visão mais restritiva desta corrente que a existência de uma ilegalidade ou ilicitude exclui de todo o dever de obediência, pois o cumprimento da mesma implicaria a prática de crime.

Na versão intermédia desta corrente temos a extinção do dever de obediência apenas quando a ordem seja inequivocamente ilegal. A partir do ponto em que a ordem apenas suscite duvidas ou haja uma mera divergência de interpretação quanto á legalidade da ordem esta continua a ser imperativa, assim não se extingue o dever de obediência e o subalterno terá de acatar a ordem proveniente do seu superior hierárquico.

No ponto de vista mais amplo desta corrente defende-se a inexistência de dever de obediência para com uma ordem ilegal, qualquer que seja o seu fundamento e a sua proveniência, pois primeiramente o subalterno deve respeitar a lei e apenas depois a hierarquia, como defende João Tello de Magalhães Collaço. O Prof. Freitas do Amaral inclina-se para a corrente legalista - dado o princípio do Estado de Direito democrático (preâmbulo da CRP) e a submissão da Administração Pública à lei art. 266.º, n.º 2, da CRP) -, mas numa orientação moderada.

Nas hipóteses em que todas estas situações estejam excluídas, deve cessar o dever de obediência somente nos casos onde existe risco de violação da dignidade humana e de direitos fundamentais (161º alínea d) do CPA). Esta é a posição defendida pelo Prof. Vasco Pereira da Silva, uma vez que na sua opinião não faria sentido que só na eminência de um crime cessasse o dever de obediência, visto que o crime constitui a mais alta e grave violação dos valores e regras do Direito, mas não constitui o único tipo de violação, a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais constituem a base da construção de qualquer ordenamento jurídico.

Para além do exposto deve ainda existir dever de obediência para todas as ordens ou instruções, se forem dadas ordens ou instruções legais (ilegalidade que não constitua nulidade ou pratica de um crime), o funcionário só ficará da desresponsabilizado dos atos praticados a fim do cumprimento de uma ordem se pedir a confirmação desta mesma ordem por escrito, ou se a mesma já tiver sido passada por escrito, que peça a sua confirmação, porém, quando tenha sido dada uma ordem com menção de cumprimento imediato, será suficiente para a exclusão da responsabilidade de quem a cumprir que a reclamação, com a opinião sobre a ilegalidade da ordem, seja enviada logo após a execução desta.

Se o funcionário, antes proceder ao seu direito de respeitosa representação, pode vir a acontecer uma de duas hipóteses enquanto o mesmo aguarda a resposta do seu superior hierárquico: em primeiro lugar se a demora não causar prejuízo no interesse público o agente pode adiar o cumprimento da ordem até obter a resposta do seu superior; em segundo lugar se a demora causar prejuízo quanto ao interesse público, deverá o subalterno comunicar logo por escrito ao seu imediato superior hierárquico os termos exatos da ordem recebida e do pedido formulado, bem como a não satisfação deste, e logo a seguir executará a ordem, sem que por esse motivo possa ser responsabilizado.

Por fim é ainda de especial relevância analisar o dever de obediência como uma exceção ao princípio da legalidade estabelecida como um dos pilares aplicados á administração pública. Princípio esse que impõe uma ação com fundamento na lei dentro dos limites estabelecidos pela mesma.

Por fim na opinião do Professor Paulo Otero este dever não se deve excluir do princípio da legalidade visto que a ordem dada pode resultar da própria lei, concluindo que se permite uma legalidade especifica para o âmbito da Administração pública. Já na visão do Prof. Freitas do Amaral, o dever de obediência é uma exceção ao princípio da legalidade, mas é uma exceção que é legitimada pela própria Constituição, no seu art. 271.º, n.º 3, contudo isto não significa, porém, que haja uma especial legalidade interna: uma ordem ilegal, mesmo quando tenha de ser acatada, é sempre uma ordem ilegal - que responsabiliza o seu autor e, eventualmente, a própria Administração. Sendo preferível admitir que, por razões de eficiência administrativa, a Constituição entende dever abrir uma ou outra exceção ao princípio da legalidade, a aceitar que a generalidade das ordens ilegais e dos seus atos de execução façam parte integrante do bloco de atos legais praticados pela Administração.

Bibliografia:

Diogo Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo", Almedina, Coimbra-volume 1, 4ªEdição, 2015

Maria Gomes; Subturma 15; nº66296

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