Direito à audiência prévia
O Código de Procedimento Administrativo (doravante CPA), resultante dos artigos 100.º CPA, sobre o procedimento administrativo do regulamento, e no artigo 121.º CPA, quanto ao procedimento do ato administrativo, promove o caráter obrigatório de haver audiência prévia dos interessados em todos os procedimentos administrativos, sendo esta desenvolvida no momento imediatamente anterior ao da tomada de decisão.
É importante mencionar que o regime da audiência prévia no procedimento do regulamento administrativo processa-se de forma diferente do que acontece no procedimento do ato administrativo.
No ato administrativo, a audiência prévia será aos interessados em concreto quanto à situação, enquanto no regulamento administrativo teremos duas figuras: a audiência prévia e a consulta publica, designadamente nos artigos 100.º e 101.º CPA. A audiência prévia será aos interessados que tenham os seus direitos ou interesses legalmente protegidos imediata e diretamente afetados, enquanto na consulta pública teremos a participação de outros interessados, quanto a defesa de interesses diferentes dos defendidos na audiência prévia.
O artigo 121.º/1 CPA define a audiência prévia como «os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.» A menção à tomada de decisão antes da decisão final é no sentido de definir que esta será imposta haja ou não instrução, visto que na antiga formulação do artigo 100.º CPA estava redigido «uma vez concluída a instrução», MÁRIO AROSO DE ALMEIDA entende que isto realmente tinha de ser mudado no sentido de que no exercício de um poder vinculado, o interessado tinha de ser tutelado quanto à necessidade de se pronunciar no sentido de aplicação da norma que o órgão administrativo pretendia realizar, pois esta pronunciação poderia mudar o rumo da decisão a tomar (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, página 111).
O professor FREITAS DO AMARAL desenvolve que o aparecimento desta legislação sobre a audiência previa era de modo a acabar com o secretismo no procedimento de formação, tanto de atos administrativos, como de regulamentos, pois antes afirmava-se como um poder burocrático com falta de legitimação (FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo II, página 182).
Como já percebemos, a audiência prévia destaca-se de modo diferente no procedimento do regulamento e do ato administrativo.
No procedimento do regulamento administrativo, será realizado um projeto regulamentar, em que, basicamente, serão indicadas as informações necessárias ao interessado para conhecer o objeto do procedimento. Este está previsto nos artigos 99.º e 100.º CPA.
No procedimento do ato administrativo, teremos, diferentemente, o projeto de decisão em que serão fornecidos elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspetos relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito, indicando tambem as horas e o local onde o processo pode ser consultado.», como disposto no artigo 122.º/2 CPA.
A audiência importa na pronunciação de todas as questões pertinentes que o interessado possa ter quanto à decisão, como expressa o artigo 121.º/2 CPA.
Ora, o professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA entende que é interessado quem tenha desencadeado o procedimento de iniciativa não oficiosa, assim como quem tenha sido notificado do início do procedimento dirigido à prática de um ato administrativo (artigo 110.º CPA) ou então, o que se constitui mais tarde como interessado devido à titularidade de um interesse pessoal ou institucional na matéria que é objeto do procedimento, ou em defesa de interesses difusos (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, página 112). Na verdade, o próprio artigo 68.º CPA, enumera todos os interessados que se podem vir a constituir, no âmbito do procedimento administrativo.
Artigo 68.º
Legitimidade procedimental
1 - Têm legitimidade para iniciar o procedimento ou para nele se constituírem como interessados os titulares de direitos, interesses legalmente protegidos, deveres, encargos, ónus ou sujeições no âmbito das decisões que nele forem ou possam ser tomadas, bem como as associações, para defender interesses coletivos ou proceder à defesa coletiva de interesses individuais dos seus associados que caibam no âmbito dos respetivos fins.
2 - Têm, também, legitimidade para a proteção de interesses difusos perante ações ou omissões da Administração passíveis de causar prejuízos relevantes não individualizados em bens fundamentais como a saúde pública, a habitação, a educação, o ambiente, o ordenamento do território, o urbanismo, a qualidade de vida, o consumo de bens e serviços e o património cultural:
a) Os cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e os demais eleitores recenseados no território português;
b) As associações e fundações representativas de tais interesses;
c) As autarquias locais, em relação à proteção de tais interesses nas áreas das respetivas circunscrições.
3 - Têm, ainda, legitimidade para assegurar a defesa de bens do Estado, das regiões autónomas e de autarquias locais afetados por ação ou omissão da Administração, os residentes na circunscrição em que se localize ou tenha localizado o bem defendido.
4 - Têm igualmente legitimidade os órgãos que exerçam funções administrativas quando as pessoas coletivas nas quais eles se integram sejam titulares de direitos ou interesses legalmente protegidos, poderes, deveres ou sujeições que possam ser conformados pelas decisões que nesse âmbito forem ou possam ser tomadas, ou quando lhes caiba defender interesses difusos que possam ser beneficiados ou afetados por tais decisões.
É importante mencionar o artigo 109.º/1 alínea c) CPA, visto que este artigo desenvolve a questão de prejudicar o desenvolvimento normal do procedimento quando haja ilegitimidade do requerente, portanto, não ser uma pessoa indicada acima, mais propriamente, no artigo 68.º CPA. A consequência da decisão seria a absolvição da instância.
O professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA entende que o desenvolvimento da audiência prévia dos interessados, envolve a manifestação do princípio da participação dos interessados na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito, disposto no artigo 267.º/1 e 5 CRP (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, página 113).
Os interessados, para além do momento da audiência prévia, poderão ainda ter lugar no procedimento administrativo no caso de a Administração os notificar no sentido de se pronunciarem sobre questões ao longo de toda a fase de instrução, como expressa o artigo 117.º/1 CPA. Os interessados podem, como constado no artigo 107.º e 116.º CPA apresentar exposições que devem ser tidas pelo órgão administrativo.
Estes direitos são garantias dadas aos interessados quanto à sua participação espontânea no procedimento administrativo.
O direito à audiência prévia é uma clara contestação de um direito fundamenta, no sentido de que devem os interessados ter a oportunidade se defender no âmbito do procedimento, seja administrativo, ou, por exemplo, penal. A consequência da omissão deste direito perante o procedimento será realmente, nos termos do artigo 161.º/2 alínea d) CPA, a nulidade devido à ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental. No entanto, há quem não concorde com esta ideologia.
O professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA acredita que não deve ser entendido como natureza de direito fundamental, em vista de que é apenas uma forma de regular a Administração Pública, não havendo realmente um direito à participação procedimental, nem à audiência prévia.
O professor FREITAS DO AMARAL entende que a audiência prévia e a consulta pública dos projetos de regulamento constituem princípios, homenageando os princípios da colaboração com os particulares, constante no artigo 11.º CPA, e da participação, desenvolvido no artigo 12.º CPA (FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo II, página 183).
A audiência procede-se de certa forma, havendo a notificação do interessado para a audiência, que poderá ter forma escrita ou oral, segundo o artigo 100.º/2 e 122.º/1 CPA, podendo estes se fazer ouvir quanto à questão em concreto.
Apesar de a audiência prévia ser de enorme importância, esta pode ser dispensada quando sejam preenchidos certos requisitos definidos tanto no artigo 100.º/3 CPA (procedimento do regulamento) como no artigo 124.º/1 CPA (procedimento do ato administrativo).
Estado de necessidade- análise ao acórdão STA, de 7 de abril de 2022 (Processo 03478/14.1)
Como sabemos, o estado de necessidade leva a uma mudança de regime um pouco «agressiva», no sentido de muita coisa muda, em muito pouco tempo, sendo das maiores mudanças, realmente, a facilitação no âmbito de todos os processos normativos, tal como procedimentos administrativos.
Este acórdão vem, nesse sentido, desenvolver jurisprudência quanto ao agir administrativo no âmbito de estado de necessidade.
O estado de necessidade, em matéria administrativa, executa-se perante certos pressupostos designados no próprio acórdão que passo a citar:
- Requisito temporal da urgência
- Fator de perigo atual e iminente por factos graves e anormais
- Prioridade em atender ao interesse publico essencial
- Interesse publico julgado mais relevante que os interesses públicos preteridos
Ora, aqui, o Supremo Tribunal Administrativo achou procedente que não houvesse audiência de interessados na sequência do ato de ratificação, visto que são preenchidos os requisitos de excecionalidade da situação em causa, no entanto, embora seja em estado de necessidade, não se encaixa nas situações do artigo 124.º/1 CPA, pelo que a omissão da audiência prévia, considerada como um direito fundamental, será objeto de consequências, neste caso a nulidade da decisão final, no sentido de violação do direito fundamental consagrado no artigo 267.º/5 CRP, consoante o disposto no artigo 161.º/2 alínea d) CPA.
Este acórdão pronuncia-se ainda quanto à questão de a audiência dos interessados ser considerada como um direito fundamental, o tribunal entende que é suficiente que o interessado tenha sido colocado em posição de fazer valer perante o órgão decisor a sua perspectiva sobre todos os elementos do procedimento que sejam relevantes para a decisão, garantido ao interessado a sua colocação numa posição de fazer valer.
Dispensa de audiência prévia, de 9 de abril de 2021 (Processo 03035/12.7)
No caso deste acórdão, temos a tentativa de preenchimento do requisito de dispensa da audiência prévia no artigo 100.º/3 alínea a) CPA, em que estariam perante uma situação de urgência, contudo, o tribunal pronuncia-se quanto a esta disposição que, se realmente há uma situação de urgência, a mesma deve ser fundamentada, algo que não foi executado, pelo que há, consequentemente, a anulabilidade do ato impugnado pela omissão da audiência prévia, nos termos do artigo 144.º/2 CPA. Estaremos perante uma ilegalidade procedimental, pois a questão da audiência prévia tem que ver com o procedimento do regulamento administrativo, designadamente nos artigos 97.º e seguintes CPA.
Catarina Freitas
Subturma 15
N.º de aluna: 66011