Direito à audiência prévia e análise do caso da demissão da CEO da TAP

26-05-2023

O direito de audiência prévia consta do artigo 121ºCPA, segundo o qual "os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta."

O direito à audiência prévia é obrigatório antes da tomada de qualquer decisão final, uma vez que somente assim estará assegurada a possibilidade de esta ser influenciada pela manifestação do interessado.

Tradicionalmente, na generalidade dos casos não havia qualquer participação dos particulares na formação das decisões que lhes dissessem respeito, pelo que a Administração decidia sozinha sendo o particular contactado para a notificação da decisão já tomada. Assim, configurava uma Administração não participada, pelo que o interessado nunca podia ter a certeza de que o seu pedido era convenientemente estudado ou de que as suas razões eram devidamente ponderadas.

Atualmente, foi consagrado o modelo da Administração participada definido na Constituição no Art.267º/5, por forma a concretizar o princípio da colaboração da Administração com os particulares (Art.11ºCPA) e com o princípio da participação (Art.12ºCPA), distinguindo-se do modelo anterior na medida em que o interessado é associado ao órgão administrativo competente na tarefa de preparar a decisão final.

Deste modo, trata-se da fase do procedimento administrativo em que é assegurado aos interessados num procedimento, o direito de participarem na formação das decisões que lhes digam respeito. Aos interessados é conferida a permissão de se defenderem e contra-argumentarem face a uma decisão desfavorável em preparação, devendo a Administração entregar-lhes um projeto de decisão devidamente fundamentado.

O Art.121ºCPA sofreu recentemente uma alteração, introduzida pelo decreto-lei 11/2023 de 10/02. Devida a tal alteração do preceito, consta agora um número 3 segundo o qual o órgão competente apenas pode realizar uma única audiência; no seu acrescentado número 4 é referido que é possível a realização de uma audiência adicional em virtude de ocorrência de factos supervenientes que alterem o sentido da decisão; e por fim, outra inovação através do número 5, o qual prevê que a realização da audiência não suspende a contagem de prazos (o que contraria expressamente o antigo número 3, uma vez que constava que havia suspensão da contagem do prazo).

Como resulta do Art.122ºCPA, a audiência pode ser processada quer por forma escrita ou oral, e estipula um prazo para ser realizada a notificação ao respetivo interessado, sendo não inferior a 10 dias. Caso se opte pela realização da audiência por forma oral, esta deverá ser realizada presencialmente, tal como prevê o Art.123º/1CPA.

Posto estas considerações gerais do direito à audiência prévia, procederei à análise do caso mais recente da demissão da CEO da TAP.

Primeiramente, é de realçar que a demissão da CEO da TAP pelo Governo se trata de um ato administrativo, uma vez que à luz do Art.148ºCPA estão preenchidos os requisitos, nomeadamente:

  • uma decisão (conduta que pretende projetar as suas consequências na esfera jurídica de alguém);
  • no exercício de poderes jurídico-administrativos (desempenho de função administrativa);
  • visa produzir efeito jurídico externo (efeitos serão produzidos numa esfera jurídica distinta da pessoa coletiva que o emanou);
  • numa situação individual (apenas um destinatário);
  • situação concreta (apenas para aquele caso em concreto).

No entanto, a atuação do Governo tem sido alvo de críticas, nomeadamente por parte da ex-administradora, invocando para seu benefício que o Governo "degradou a audiência prévia a uma mera formalidade não essencial, desprovida de qualquer sentido útil", ou seja, denuncia o facto de não ter ocorrido o direito de audiência prévia invocando por isso, a nulidade do procedimento.

Sabe-se que tal demissão ocorreu no mesmo dia do relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF), não tendo sido Christine Ourmières-Widener ouvida antes da tomada de decisão. Em tom de crítica, João Santos proferiu: "Esta lógica é a inversão natural da ordem das coisas. Demitimos primeiro e depois vamos ouvi-la. Se a decisão estava determinada, vamos ouvi-la para quê?" Também Paulo Veiga e Moura (especialista em Direito Administrativo) reforça tal crítica dizendo que quando se quer fazer cessar um mandato, ou se tem justa causa e a pessoa tem o dever de ser ouvida antes da decisão ou na ausência dessa justa causa há lugar a indemnização.

Ambos os especialistas reforçam a sua posição crítica face à atuação do Governo em tom irónico quando proferem: "Eles anunciaram a decisão antes de a demitirem. É a mesma coisa que haver um processo disciplinar e dizer ao trabalhador que, independentemente do que diga, já sabe que vai ser despedido. A decisão estava tomada, independentemente do que Christine Ourmières-Widener fosse dizer em sua defesa".

Considerando que face ao disposto no Art.124ºCPA, esta situação não se insere em nenhuma das hipóteses apresentadas, tornando-se indispensável o direito de audiência prévia.

Em contrapartida, em sua defesa o Governo tenta justificar-se argumentando no sentido em que a decisão de afastar a CEO da TAP (a 6 de março), não se configurou como uma decisão final nem consubstanciou uma exoneração pública, acrescentado "que essa decisão não degrada a relevância da pronúncia do presidente do Conselho de Administração e da resposta da CEO apresentadas, cujas questões essenciais nelas invocadas são agora contraditoriamente ponderadas, de modo nenhum se esvaziando o sentido e a utilidade da audiência prévia a que houve lugar".

Contudo, Manuel Beja reforça, mais uma vez as críticas tecidas quando profere: "A partir do momento em que a decisão é tomada e comunicada por membros do Governo português, a audiência prévia do interessado serve apenas o propósito de criar uma aparência de regularidade do procedimento".

Deste modo, e tendo sobretudo atenção às críticas realizadas, cabe analisar qual o desvalor aplicável pela falta de audiência prévia no procedimento em que esta não era dispensável, mas sim obrigatória.

Relativamente a esta temática, do desvalor aplicável à ausência de audiência prévia, são várias a divergências doutrinárias que a medeiam.

Conforme o entendimento do Professor Diogo Freitas do Amaral, a falta de audiência prévia, quando obrigatória constitui uma ilegalidade, mais concretamente num vício de forma por preterição de uma formalidade essencial. Este autor recusa a classificação do direito à audiência prévia como um direito fundamental, e por isso defende que o desvalor aplicável deveria ser a mera anulabilidade (Art.163ºCPA).

Também Mário Aroso de Almeida, entende que o 267º/5 CRP tem como fim regular a estrutura organizatória da Administração e daí não decorre nem um direito à participação procedimental, nem a audiência prévia. Assim, o vício de preterição de audiência prévia cai na consequência geral do Direito Administrativo, a anulabilidade, como resulta do Art.163ºCPA.

Já de acordo com o pensamento do Professor Vasco Pereira da Silva, o direito à audiência prévia é considerado um direito fundamental, através da sua inclusão da chamada cláusula aberta (Art.16ºCRP), cuja consagração está no Art.267º/5CRP, reconhecendo-se (de acordo com o Professor) uma vantagem dos particulares face à Administração. Deste modo, o regime de invalidade aplicável seria a nulidade, com base no Art.161º/2 d) CPA, na medida em que é violado o conteúdo de um direito fundamental.

Por fim, o Professor Paulo Otero adota uma posição híbrida, na medida em que considera o princípio do procedimento equitativo como um princípio geral do Direito Administrativo e, defende tal como o anterior que o direito à audiência prévia se configura como um direito fundamental, defendendo a nulidade como regime aplicável à ausência de audiência prévia (artigo 161º/2 d) CPA).

Posto isto e tendo em consideração a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, creio que a solução que se revela mais satisfatória é aquela que defende o direito da audiência prévia como uma formalidade essencial e cuja ausência constitui um vício de forma gerador da anulabilidade (Art.163ºCPA) do ato administrativo em cujo procedimento tal audiência se mostrasse necessária. Assim, não a considero como um direito fundamental à luz do artigo 267º/5 CRP, na medida em que uma tal interpretação extensiva da norma não seria possível. Mais acresce, o facto de haver unanimidade quer na doutrina, quer na jurisprudência a irrelevância das justificações feitas posteriormente, que procurem remediar a sua ausência.

Neste sentido, face ao caso da demissão da CEO da TAP pelo Governo, e seguindo o entendimento defendido, a falta de audiência prévia gera a anulabilidade do ato administrativo e não a sua nulidade.


Mariana Correia, sub 15


Bibliografia:



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