Direitos Subjetivos Públicos e as suas concessões
Eva Martins, nº66220
Questiona-se desde a constitucionalização do Direito Administrativo se os particulares têm estes direitos, ou em que medida eles existem, sendo necessário primeiro entender do que se tratam estes direitos.
Contextualizando o problema, após um movimento de constitucionalização do Direito Administrativo (que quando surge no século XIX com a Revolução Francesa, também associado ao constitucionalismo liberal levou a que direitos subjetivos não fossem imediatamente reconhecidos) seguido da 2ª Guerra Mundial, sobretudo com a Constituição de Weimar, os autores começaram a ligação que se encontrava perdida entre o Direito Constitucional e o Direito Administrativo. Essa ligação, por sua vez, implica o reconhecimento dos direitos fundamentais e direitos subjetivos que os particulares poderiam invocar perante a Administração. Na concessão de Otto Mayer, que fazia justamente a contraposição do Direito Administrativo com o Direito Privado, no Direito Privado pode-se afirmar a existência de direitos subjetivos que os particulares têm em relação aos outros, mas no Direito Público não existem, porque se é verdade que, do ponto de vista do cidadão, existe uma personalidade jurídica, e que também existe uma personalidade jurídica do lado da Administração, existindo portanto duas esferas, dois sujeitos de Direito com direitos e obrigações, não é verdade que o cidadão estava a invocar os seus direitos subjetivos perante outro sujeito que fosse titular de direitos subjetivos, uma vez que a Administração não os tinha. Com isto em mente, os direitos subjetivos ganham outra noção hoje em dia, uma mais abrangente, pelo menos na ótica do conceituado professor Menezes Cordeiro, definindo-os como uma permissão normativa especifica de aproveitamento de um bem, permissão essa juridicamente protegida de quem é titular do direito. Assim, afasta-se a ideia de relação entre sujeitos para a definição de direitos particulares.
Foram vistas em aula teórica 3 principais concessões jurídicas atribuídas a estes direitos, das quais irei falar neste post. A primeira delas é a teoria binária, que é a teoria clássica durante muito tempo a dominante, defendida pelo professor Marcelo Rebelo de Sousa. Esta teoria distingue direitos subjetivos de interesses legítimos, ou seja, distinção entre situações em que a norma protegia diretamente o particular, conferindo-lhe direitos subjetivos, e situações em que o particular era protegido por uma norma, mas não era feita a pensar nele, era uma norma de natureza organizativa que fixava os poderes da administração, sendo, portanto, um resultado indireto. No entanto, aponta-se a tolice de dizer que o particular tem uma vantagem indireta, porque independentemente de se dizer direito subjetivo do particular ou dever da administração, nunca há a proteção indireta porque mesmo quando a lei está a estabelecer um dever da administração, está a atribuir um direito ao particular. Na mesma linha de pensamento, há a lógica trinitária. A logica trinitária acrescenta à anterior os interesses difusos, ou seja, interesses de todos os indivíduos ou podem ser de todos os indivíduos. Nestas duas teorias há, portanto, a distinção entre direitos de primeira, de segunda e de terceira, consoante a sua denominação em direitos subjetivos, interesses legítimos e interesses difusos.
A segunda teoria é a teoria do direito reativo. Relativamente às anteriores, acaba por se mostrar mais vantajosa na medida em que agora não faz distinções entre direitos, sendo unitária. Esta doutrina talvez encontra-se mais de acordo com a realidade, porque em vez de estar a dividir os direitos entre primeira, segunda ou terceira, está a trata-los todos da mesma maneira, só que acontece que também não se pode considerar a mais certa, porque em primeiro lugar está a confundir o direito de ir a juízo, que é um direito que todos têm garantido pela Constituição, com os direito subjetivos de cada uma das pessoas, já que o particular só vai a juízo se antes houver uma agressão na sua esfera jurídica através de um ato ilegal ou de uma omissão da prática de um ato administrativo devido. No entanto, esses direitos de ir a tribunal (os tais direitos reativos) são apenas uma das muitas espécies de direitos existentes havendo também aqueles que resultam da lei. Para além disso, ao conceber esses direitos subjetivos do direito substantivo a partir do processo, a partir da ida a tribunal para defende uma posição, isto vai conduzir à confusão entre a relação jurídica processual e a relação jurídica substantiva.
A terceira concessão, e a que o Professor Vasco Pereira da Silva sustenta, é a teoria da norma de proteção. Esta teoria surge, numa primeira instância, como resultado da teorização do autor alemão Buehler, que dizia ser necessário da existência da verificação de três pressupostos essenciais: uma norma jurídica vinculativa, ou seja, uma norma que vinculasse integralmente a Administração no exercício dos seus poderes; uma norma que considerasse que essa norma jurídica vinculativa correspondia à tutela dos particulares, que justifica o nome "teoria da norma de proteção" já que há uma norma que protege os particulares dizendo que aquela posição de vantagem é dele e resulta da sua posição no ordenamento jurídico; e o direito reativo que se traduz na possibilidade de reagir contenciosamente quando houvesse uma agressão. Em segunda instancia, surge Bachof que abre o conceito de direito subjetivo, revelando as suas oposições aos pressupostos apresentados anteriormente, dizendo que o que é necessário é que existam elementos vinculados e não uma norma jurídica vinculativa, que a norma de proteção não faz sentido, porque nos Estados de direito modernos e democráticos há no mínimo uma presunção que qualquer cidadão possui direitos subjetivos perante a Administração pública, e que a possibilidade de ir a juízo não é uma condição à existência de direitos, mas sim uma consequência à existência de direito. Numa terceira instância, a teoria evolui novamente, no sentido de alargar os direitos do Direito Administrativo em função dos direitos fundamentais do Direito Constitucional.
No fundo, independentemente da concessão, são sempre direitos, mas que têm conteúdos diferentes e isto significa dizer que na nossa ordem jurídica não há regimes jurídicos distintos. O próprio professor Marcelo Rebelo de Sousa, no seu manual, reconhece isto e diz "em rigor não havendo regime jurídicos distintos, não havia razão para fazer a distinção." O legislador não estabeleceu regimes distintos, o legislador estabeleceu um regime único para todos os direitos.
Não obstante a estas posições, o professor Paulo Otero faz ainda a distinção entre vários tipos de direitos subjetivos face à Administração Pública , sendo eles: (1) Direitos subjetivos privados e (2) Direitos subjetivos públicos como aqueles cuja origem e disciplina emerge de atos jurídicos de Direito privado e aqueles cuja origem e disciplina radica em atos do Direito público, e subdivide-se em direitos subjetivos públicos que impõem à Administração Pública uma ação a favor do particular e direitos subjetivos públicos que impõem à Administração Pública uma conduta omissiva a favor dos particulares respetivamente; (3) Direitos subjetivos substantivos, em que o particular goza devido ao Direito material regulador da conduta administrativa, que se traduz numa posição de vantagem revelada em atos de satisfação de pretensões nele alicerçadas; (4) Direitos subjetivos procedimentais, concedidos no âmbito do procedimento interno da Administração Publica, visando a defesa das respetivas posições jurídicas materiais e finalmente (5) Direitos subjetivos processuais que se traduzem em posições jurídicas pertencentes aos particulares cujo exercício é feito junto dos tribunais, contra a Administração Pública.
-Diogo Freitas do Amaral. Curco de Direito Administrativo, vol II, Almedina;
-Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, vol I, Lex Lisboa;
-Vasco Pereira da Silva, Transcrições das aulas teóricas;
- Paulo Otero. Manual de Direito Administrativo, vol I, Almedina;