Estado de necessidade e urgência administrativa

28-05-2023


SUMÁRIO: §1.º - Definição do escopo da pesquisa; §2.º - A definição do estado de necessidade; §3.º- Urgência Administrativa; §4.º - Síntese Comparativa; §5.º - Bibliografia.


§1.º - Definição do escopo da pesquisa


O processo administrativo, que consiste numa sequência de atos, possui algumas exceções em relação à sua aplicação. O objetivo principal deste estudo é analisar a atuação administrativa baseada no estado de necessidade e na urgência administrativa. A doutrina refere-se a essas duas situações como aquelas que permitem a atuação sem total observância das formalidades legais do processo. No entanto, como será demonstrado ao longo desta pesquisa, a natureza jurídica das duas questões é diferente e, portanto, a nosso ver, apenas no caso do estado de necessidade ocorre uma verdadeira violação do processo legal.


§2.º - A definição do estado de necessidade


A noção de estado de necessidade é a de um instituto jurídico com contornos que diferem consoante os ramos do direito em causa, assim sendo é de relevante interesse percorrer esses ramos a fim de averigua a existência de linhas de força comuns[1].

CARLOS DA MOTA PINTO[2], ilustre professor na área do Direito Civil, identificava o estado de necessidade como sendo um vício da vontade negocial e, como tal era uma "situação de receio ou temor gerada por um grave perigo que determina o necessitado a celebrar um negócio para superar o perigo em que se encontra". Esta situação de perigo pode ser originada por um facto natural ou, até, por um facto humano.

No Direito Civil, existe uma norma que permite a destruição ou danificação de propriedade alheia quando haja o objetivo de "eliminar o perigo iminente de um dano manifestamente maior" (de acordo com o número 1 do artigo 339.º do Código Civil).


A natureza das circunstâncias exige que uma ação em estado de necessidade não seja legitimada apenas por uma norma jurídica positiva, mas sim que seja fundamentada num verdadeiro princípio.


A figura do estado de necessidade encontra previsão no artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo (doravante CPA). Conforme o parágrafo 2 desse artigo, os atos realizados "em estado de necessidade, com desrespeito às regras estabelecidas neste Código, são válidos, desde que seus resultados não pudessem ser alcançados de outra forma". MARCELO REBELO DE SOUSA[3] identifica que este preceito legal dá cobertura legal ao estado de necessidade relativamente ao não cumprimento dos preceitos do mesmo código. No entanto, a lei também atribui responsabilidade à Administração (conforme o artigo 16 da Lei 16/2007) caso haja lesados.


De acordo com PAULO OTERO[4] para se verificar um estado de necessidade é preciso que estejam preenchidos quatro pressupostos cumulativos:

  • Circunstâncias de facto extraordinárias;
  • Ameaça séria a bens ou interesses com valor coletivo;
  • Indispensabilidade e urgência de uma atuação;
  • A única forma de atuação ser por via da preterição das normas habitualmente reguladoras do procedimento.

A Constituição exige que a Administração, em toda a sua atuação, respeite esse princípio fundamental, seja seguindo o trâmite previsto no CPA ou esteja coberta pelo estado de necessidade ou urgência (conforme o artigo 266.º da CRP). É interessante notar que uma atuação sob essa figura também permite o afastamento das normas de competência, se necessário.

Em termos doutrinais, o estado de necessidade pode ser considerado uma causa de exclusão da ilicitude de uma conduta administrativa. No entanto, a jurisprudência não se tem pronunciado aprofundadamente sobre o assunto, o que dificulta, em certa medida, uma análise teórico-prática.


§3.º- Urgência Administrativa


A urgência é baseada na necessidade de ação imediata, e possui um caráter ordinário. Conforme assinalada FREITAS DO AMARAL[5], as situações de urgência administrativa dizem respeito a "todas as situações da vida real em que, pela sua especial gravidade ou perigosidade, a Administração Pública tem o poder legal de efetuar uma intervenção imediata, sob pena de, se for mais demorada, se frustar a possibilidade de atingir os fins de interesse público postos por lei a seu cargo". Nesse sentido, pode-se considerar que a urgência é um procedimento simplificado e não uma exceção às normas procedimentais, uma vez que, enquanto o estado de necessidade deriva de um princípio geral de direito e tem sua base legal em uma cláusula geral (artigo 3.º do CPA), os casos de urgência administrativa estão previstos na lei. Independentemente dessa conclusão, a atuação em urgência também pode gerar responsabilidade civil por ato lícito da Administração.


A compreensão torna-se mais clara com exemplos. Por exemplo, o parágrafo 2 do artigo 26.º estabelece uma exceção à regra geral do parágrafo 1 com base na urgência. O dispositivo estabelece que são excluídos os casos em que, "numa reunião ordinária, pelo menos dois terços dos membros do órgão reconheçam a urgência de deliberação imediata". A adoção de medidas provisórias pela administração também constitui uma derrogação do trâmite procedimental, conforme estabelecido no parágrafo 1 do artigo 89.º do mesmo diploma.


§4.º - Síntese Comparativa


A primeira distinção relevante a ser feita é a seguinte: enquanto o estado de necessidade é uma causa de exclusão da ilicitude devido à necessidade imperiosa de lidar com situações excecionais, a urgência é simplesmente uma justificação para a adoção de uma normatividade especial, devidamente positivada.


Consequentemente, a atuação em estado de necessidade deriva principalmente de cláusulas amplas e gerais, sempre sujeitas à interligação com outros princípios, como a proporcionalidade. Por outro lado, a urgência administrativa decorre da legislação ordinária, na qual o interesse público a ser prosseguido é estabelecido.


De salientar, também, que a doutrina esclarece de forma mais detalhada e minuciosa os pressupostos do estado de necessidade com os da urgência, uma vez que há um maior risco de abusos por parte a administração, nos caso de estado de necessidade, e, desta forma, a doutrina consegue controlar e restringir a aplicação desse instituto a situações muito especificas, correspondendo apenas à medida estritamente necessária para se restaurar a normalidade legal. A urgência, por sua vez, é resultado de uma ponderação do caso concreto, mas talvez por não envolver interesses tão relevantes e por haver a possibilidade de afetar a esfera jurídica dos particulares de forma menos intensa (por estar prevista em lei), é permitida uma maior liberdade na sua aplicação.


 §5.º - Bibliografia

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso do Direito Administrativo, Volume II, Almedina, 4ª edição, 2020. 

AMARAL, Diogo Freitas do / GARCIA, Maria da Glória, O Estado de necessidade e a Urgência em Direito Administrativo, in ROA, Lisboa, abril de 1999. 

OTERO, Paulo, Direito do Procedimento Administrativo, Coimbra, Almedina, 2016. 

PINTO, Carlos da Mota, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 1986.

SOUSA, Marcelo Rebelo De, Lições de Direito administrativo, volume I, 1995.

[1] AMARAL, Diogo Freitas do / GARCIA, Maria da Glória, O Estado de necessidade e a Urgência em Direito Administrativo, in ROA, Lisboa, abril de 1999, p. 456;

[2] PINTO, Carlos da Mota, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 1986, p. 531;

[3] SOUSA, Marcelo Rebelo De, Lições de Direito administrativo, volume I, 1995, p. 107;

[4] OTERO, Paulo, Direito do Procedimento Administrativo, Coimbra, Almedina, 2016, p. 128;

[5] AMARAL, Diogo Freitas do, Curso do Direito Administrativo, Volume II, Almedina, 4ª edição, 2020, p. 310;


Gonçalo Avelar Henriques Duarte, subturma: 15, n.º 66080.

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