Miguel Alves e o Contrato-Promessa aos olhos do Direito Administrativo II: na sombra da verdade

27-05-2023

Voltando à análise do Contrato-Promessa assinado pelo, até então Presidente da Câmara Municipal de Caminha, Miguel Alves, com o objetivo de construir um Centro de Exposições Transfronteiriço em Caminha com a promessa de colocar esta vila raiana do Alto Minho "no centro do Mundo". No entanto, as dúvidas levantadas pelo contrato celebrado entre as partes, acabaram por levar, mais tarde e já nomeado Secretário Adjunto do Primeiro Ministro, à sua demissão do governo da república.

Tal como havíamos referido, aludimos ao pagamento antecipado de uma verba de 369 mil euros por parte da Câmara Municipal de Caminha – à data governada por Miguel Alves – à empresa Greenfield Endogenous, de Ricardo Moutinho.

Recapitulando, no que concerne à matéria lecionada, no 1º semestre de Direito Administrativo, é importante salientar que falamos em factos ocorridos no seio de uma Autarquia Local - uma pessoa coletiva pública integrada na administração autónoma do Estado - que se autoadministra (prosseguindo fins próprios), estando apenas sujeita a poderes de tutela do Governo (art.199º/alínea d, CRP).

Hipoteticamente, a presente questão, poderia aludir-nos que se tratasse de um contrato administrativo público uma vez que, há um acordo de vontades, em que ocorre a criação de uma relação jurídica administrativa entre uma pessoa coletiva pública (Câmara Municipal de Caminha) e uma pessoa coletiva privada (Greenfield Endogenous).[1] Sendo este bilateral, também é um contrato constitutivo pela criação de uma situação jurídica.

Ao abrigo do art.2º/1/c e do art.3º/a (Código de Contratos Públicos) as Autarquias Locais são entidades adjudicantes, isto é, com capacidade para realizarem contratos públicos em sintonia com as normas constantes do CCP e o art.200º/1 (CPA).

Tratando-se de um contrato público, é um ato de gestão pública visto que tem como fim prosseguir o interesse público[2] devendo esta preocupação prevalecer sobre os próprios interesses privados que competem com o interesse público e decorrente da aplicação de um regime maioritariamente de direito privado.[3]

Porém, o contrato assinado pelo até então Presidente da Câmara Municipal de Caminha e a Greenfield Endogenous, não consistiu na assinatura de um contrato público, mas sim num contrato privado que permitiu assim haver uma fuga às regras da Contratação Pública (suscitando uma fraude ao espírito da lei do CCP) que permitiu que houvesse um pagamento antecipado de 369 mil euros.

Tratando-se de um arrendamento futuro que comportava um encargo de milhões de euros com hipotecas, fazia com que o Município tivesse assim direito de preferência de compra como qualquer arrendatário (embora se tratasse de uma pessoa coletiva pública).

Para além de ocorrer um desvio ao próprio espírito da lei do CCP, a Câmara Municipal, ao realizar este negócio privado provocaria também um desvio deste ao controlo realizado pelo Tribunal de Contas.

Contudo, cabe analisar esta questão tendo em conta os princípios gerais da Atividade Administrativa que constam da Constituição da República Portuguesa e do Código de Procedimento Administrativo.

Os princípios do Direito Administrativo consistem num organismo de limitação do poder discricionário da Administração Pública, vinculando toda a atuação desta. De acordo com o Prof. Diogo Freitas do Amaral, os princípios também fornecem critérios de decisão obrigatórios e que podem resultar quer da própria ordem constitucional como da própria ordem global (como são exemplos as normas administrativas emanadas do Direito da União Europeia).

À priori, convém afirmar que, todos os contratos administrativos, estão sujeitos ao princípio da legalidade presente no art.266º/2 (CRP) e no art. 3º (CPA) devendo assim atuar a Câmara Municipal de Caminha e os seus órgãos de acordo com a lei e o direito.

Visto que, ao abrigo do art. 35º/2/alínea h da Lei n.º75/2013, Miguel Alves, não tinha a necessidade de apresentar a proposta do contrato-promessa de arrendamento do CET - que culminou numa despesa de 369 mil euros para a Autarquia Caminhense - para deliberação da Assembleia Municipal. Podemos considerar que ocorre uma violação deste preceito pelo facto de, por mero capricho do Presidente da Câmara Municipal, querer corresponsabilizar os titulares dos órgãos através de uma decisão que poderia ter sido tomada por si, mesmo que este alegasse de se tratar de uma demonstração de democracia e transparência quando, a maioria dos deputados da Assembleia Municipal, são da mesma cor partidária que Miguel Alves?

Analisando a questão à luz do preceito do art.4º (CPA), relativo ao princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, efetivamente não é de negar que a criação de uma infraestrutura transfronteiriça iria ser benéfica para o Concelho de Caminha não só em termos de enriquecimento cultural da população como para o crescimento do turismo e posteriores vantagens económicas para o comércio local bem como para a captação de investimento privado para o Município. Contudo, fora este hipotético sonho, na realidade o negócio saldou-se por uma perda de, voltamos a lembrar, 369 mil euros. Dinheiro dos contribuintes proveniente do pagamento de impostos municipais, portanto, pode-se considerar uma violação dos direitos e interesses dos cidadãos do Concelho de Caminha. Ao abrigo das palavras de Miguel Alves, na Assembleia Municipal de 25 de setembro de 2020, o contrato não comprometeria a Câmara Municipal nem as gerações futuras, mas será que foi mesmo assim? Não terá provocado, Miguel Alves, o comprometimento das gerações futuras que saíram lesadas por uma possível fraude?

Daí ser também possível invocar a violação do princípio da boa administração (art.5º/1, CPA) na dimensão da economicidade visto que, não foi tomada uma decisão racional por parte da CMC. Do ponto de vista económico, não foram utilizados os menores recursos possíveis, mas sim o contrário. Idealizado por Miguel Alves como um modelo inovador que não comprometia a Câmara Municipal de Caminha - quer no plano legal, quer no plano contratual - reforçando a sua teoria de que não haveria qualquer problema para o orçamento público. Porém, a realidade financeira da Câmara Municipal de Caminha é de um a diminuição em 2,1 milhões de euros no Orçamento da Autarquia Local para o ano de 2023 após apresentação da proposta, enquanto competência material da CM (art. 33º/1/c, Lei nº. 75/2013) e aprovada pela Assembleia Municipal (art.25º/1/a, Lei nº.75/2013) onde não são invocados os 369 mil euros nas receitas do Município que, parecem ser dados como perdidos pela atual Presidência da Câmara liderada pelo antigo número dois de Miguel Alves, Rui Lages.

Completando a argumentação referida nos últimos dois parágrafos, surge uma nova interrogação: terá a Câmara Municipal, adotado os comportamentos adequados para prosseguir o interesse público?

Esta questão conduz-nos ao princípio da proporcionalidade (art.266º, CRP + art.7º, CPA) onde novamente sai à luz mais a violação de um princípio administrativo. Concretamente falamos da sua violação, na vertente da necessidade (a medida administrativa tomada deve ser aquela que lese em menor medida os direitos e interesses dos particulares), visto que, o pagamento antecipado à empresa de Ricardo Moutinho, veio condenar os interesses dos particulares, onde a Câmara Municipal terá de fazer "cortes", como prova o Orçamento para 2023, em que se diminuíram os recursos financeiros às Juntas de Freguesia.

Por fim, cabe ainda invocar a violação do princípio da colaboração com os particulares (art.11º, CPA). Considerando que, os particulares estão representados pelos membros da Assembleia Municipal de Caminha, e que nesta são discutidos e identificados os interesses do Concelho de Caminha, cabe, em primeiro lugar, afirmar que, a Autarquia Local, realiza o contrato de arrendamento sem estar a exercer poderes públicos e que, Miguel Alves, de forma a reforçar a sua posição recorre à presença - aquando da deliberação do negócio do CET (a 25/09/2020) - de dois professores da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Prof. Doutor Licínio Lopes e Prof. Doutor Marcelo Delgado) que reforçam a ideia de que apresentar, à Assembleia Municipal, a proposta que é de extrema competência da Câmara Municipal, era uma demonstração de verdadeira participação democrática na gestão do município.. Mas terá havido uma estreita colaboração com os particulares? Ou uma falsa colaboração com estes assente na tal ideia de corresponsabilização? Foram acolhidas as sugestões e informações da oposição e dos membros da ala socialista que se mostraram reticentes a tal contrato?

São tudo questões ainda por responder sobre aquele que foi um dos assuntos que colocou Caminha nas bocas da comunicação social nacional e que, até ao momento, sobre o qual ainda se encontram por decifrar certas questões que se encontram na sombra da verdade à espera da concretização do preceito latino "dura lex sed lex".

Será feita justiça para os Caminhenses? Sobre isso, conversaremos depois.


[1] "O contrato administrativo é um acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa" – SOUSA, Marcelo Rebelo, MATOS, André Salgado; "Direito Administrativo Geral Tomo III

[2] "são contratos administrativos aqueles que visem a prossecução dos fins de imediata utilidade pública e contratos de direito privado da administração aqueles que visem a prossecução de fins que só mediatamente prossigam tal utilidade" – SOUSA, Marcelo Rebelo, MATOS, André Salgado; "Direito Administrativo Geral Tomo III

[3] "são contratos administrativos aqueles que visem a prossecução do interesse público em termos tais que este tem necessariamente que prevalecer sobre interesses privados com ele eventualmente conflituantes, do que decorre a aplicação de um regime predominantemente de direito privado" – SOUSA, Marcelo Rebelo, MATOS, André Salgado; "Direito Administrativo Geral, Tomo III


Legislação Utilizada

  • Código de Procedimento Administrativo
  • Constituição da República Portuguesa
  • Lei nº75/2013 (12 de setembro)
  • Regimento da Assembleia Municipal de Caminha
  • Código dos Contratos Públicos

Inês Ribeiro; nº66289; Subturma 15; 2ºB



Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora