Noção ampla de ato administrativo?

24-05-2023

Na acessão do professor regente Vasco Pereira da Silva, o ato administrativo qualifica-se como uma atuação do exercício da função administrativa, no quadro do poder administrativo, suscetível de produzir efeitos numa situação individual e concreta, semelhante ao presente no art.º 120 da primeira versão do Código de Procedimento Administrativo.

O professor procura, portanto, encontrar uma noção ampla do conceito na lei, concluindo que o Código de Procedimento Administrativo de 2015 (CPA) adotou esta concessão mais aberta de ato administrativo, em que o elemento determinante é a produção de efeitos jurídicos. Contudo, a verdade é que a letra da lei remete expressamente para uma "decisão" por parte de uma entidade administrativa. Ora, existindo ações que podem produzir efeitos jurídicos, mas não são realmente decisões, como os pareceres, estarão estes englobados, ou não, no preceito de ato administrativo presente no artigo 148º?

O professor critica a teoria clássica do ato administrativo, que advém da lógica da administração autoritária, distante da administração prestadora que hoje reside em Portugal, administração que colabora com os particulares no exercício próprio de função administrativa. Surge, então, a teoria da forma de atuação que deve considerar que o que realmente está em causa é a realização de um serviço por parte da administração, serviço esse pode "encadernar" um ato administrativo. O ato deixa de ser uma forma autoritária da administração.

A teoria clássica do ato administrativo surge no século XIX, dividindo-se entre a matriz alemã e a francesa. A primeira surge do grande administrativista, Otto Mayer, que procura equiparar a função administrativa à função negocial, reconduzindo o ato, tal como uma sentença, à situação do particular no caso concreto de forma autoritária, gozando do poder de força pública e, por isso, impondo-se coativamente ao particular. Contrariamente, a segunda teve como percursor Maurice Haurriou, que adota a perspetiva do positivismo sociológico, comparando o ato com um negócio jurídico, distinguindo o privilégio da execução do direito e o privilégio da execução coativa.

A verdade é que estas posições, apesar de distintas, acabam por resultar no mesmo. O resultado é, no fundo, o ato administrativo caracterizado peça sua  autoridade de ação coativa. Marcello Caetano é quem adota esta forma de ato aqui em Portugal, nomeadamente através da criação do ato administrativo executório, que marca a sua presença na legislação portuguesa do passado século, ao ponto de apenas ter sido removido da Constituição na Revisão 1989.

Na 4ª edição de Curso de Direito Administrativo, o professor Diogo Freitas Amaral vem refletir sobre o conceito, enquadrando-o não apenas no plano da justiça administrativa, como também tendo uma função substantiva e procedimental. Por um lado, os órgãos da Administração Pública concretizam os preceitos jurídicos gerais e abstratos, constantes nas fontes de Direito Administrativo, conformando juridicamente as situações concretas da vida em função daquilo que se dispõe nesses preceitos. Por outro, é procedimental por se tratar de uma forma de atuação que é praticada no decurso de um procedimento no qual os particulares são chamados a participar, palavras da regência que Freitas Amaral adota.

Este professor vem defender que existem duas grandes posições na definição de ato administrativo: aqueles que consideram que os atos administrativos são somente os atos jurídicos, e quem diga que são também as operações materiais, ou os meros factos naturais.

Relativamente à questão concreta a ser tratada, se se tem de tratar de um ato decisório, Freitas do Amaral defende que este é realmente um dos elementos do ato administrativo. Refere que é possível a divergência na interpretação do conceito de "decisão". Uma parte da doutrina, argumenta que foi adotada essa palavra no preceito legal no sentido de resolução do caso individual e concreto, traduzida dos anglo-saxónicos, e outra defende que realmente se trata do conceito estrito de decisão.

A posição adotada por este professor, que será aquela que melhor corresponderá à letra da lei, é a segunda. É verdade que ficarão de fora alguns atos jurídicos praticados no exercício de um poder administrativo e que visam produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. Porém, as expressões jurídicas não devem abstrair da etimologia das palavras, como confere o autor, uma opinião não poderá ser considerada uma decisão. É também apresentada outra justificação, esta teológica, que depreende que não tem lógica submeter os regimes procedimental e subtrativo do ato administrativo do CPA a condutas administrativas que são suscetíveis de afetar, por si só, a esfera jurídica dos particulares.

Esta é a posição adotada no estrangeiro, e também em Portugal pela maioria dos autores de Coimbra e alguns de Lisboa, como o Doutor Sérvulo Correia. Estes apelidam os atos que não têm este caráter decisório como atos meramente instrumentais, desenvolvendo uma função auxiliar.

O professor Mário Aroso de Almeida vem demonstrar como a evolução demarca a necessidade restrição do conceito de ato administrativo, afirmando que para que o ato administrativo defina situações jurídicas, é necessário que ele possua um conteúdo decisório.

Marcello Caetano, por sua vez defendia exatamente o oposto impulsionando a ideia ampla de ato administrativo que engloba também os pareceres não vinculativos, os atos confirmativos e opinativos e até informações e propostas. Este conceito tinha mais acolhimento legal, apesar de não o ser de forma plena, no art.º 120 do antigo CPA. Este artigo chegava até a enquadrar os atos que não teriam eficácia externa como atos administrativos na mesma.

No artigo de então, estavam previstos na mesma categoria os atos de conteúdo decisório que se projetavam no âmbito da relação administrativa geral ou comum, e também aqueles cujos efeitos se esgotavam no âmbito das chamadas relações intra-administrativas ou interorgânicas, que se desenvolvem na esfera interna às entidades públicas.

A regência, embora ter vindo a defender uma noção mais ampla, está longe da função executória que foi proposta por Marcello Caetano. O professor Vasco Pereira da Silva procura, com esta abertura, provar que o elemento determinante do ato é a produção de efeitos jurídicos. Tratar-se-á de uma atuação administrativa unilateral que se insere numa relação jurídica resultante de um procedimento, que vai produzir efeitos numa relação material, afirmando, que terá sido esta a posição ampla que foi adotada pelo atual art.º 148 do CPA.

O professor regente critica a forma como o ato é definido pelos autores anteriormente mencionados, pois é de tal forma fechada que permite determinar, numa lógica imediata, a norma e o ato, a sua incompatibilidade e a razão dessa incompatibilidade, que determinará a sua invalidade. Estas tentativas, segundo o mesmo, são condenadas ao fracasso porque por mais elaborada que seja o conceito de ato administrativo, esta não será capaz de corresponder a todos os aspetos de realidade.

Embora os argumentos do Senhor Professor Doutor Vasco Pereira da Silva sejam claramente válidos e corretos, a verdade é que é inegável a forma como a lei apresenta como essencial o elemento decisório. Por essa razão, pelas inumeradas e pela necessidade de restringir o âmbito da noção de ato administrativo, a definição mais fechada terá maior correspondência com a letra da lei, facilitando o procedimento de atos meramente auxiliares, como anteriormente apresentado.

Bibliografia

AMARAL, Diogo Freitas. Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4ª Edição, 2015, pp. 193 e ss. 

AROSO, Mário Aroso, Teoria Geral do Direito Administrativo, 2ª Edição, 2015, pp. 177 e ss.

Apontamentos das aulas teóricas de Direito Administrativo da regência do Senhor Professor Doutor Vasco Pereira da Silva


Trabalho realizado por: 

Beatriz Abreu 66361

Subturma: 15 

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