O problema dos distritos
Os distritos, ao longo do tempo, tem sido caraterizado como autarquias locais de caráter supramunicipal cuja área coincidia com a dos governos civis. No entanto, colocou-se a questão: se o distritos continuam a ser autarquias ou não passam de meras circunscrições administrativas?
Nesta reflexão, iremos defender a segunda hipótese, que demonstra ser a mais plausível, tendo em conta o regime transitório em que nos encontramos.
Primeiramente, é importante clarificar que os distritos enquanto autarquias locais não devem, de modo algum, ser confundidos com distritos enquanto divisões administrativas. Isto porquê? Apesar das áreas serem similares, a natureza jurídica destas é completamente diferente. Entendemos as autarquias locais como pessoas coletivas públicas, a existência destas é um imperativo constitucional (Artigo 235ºCRP) e assentam sobre uma fração do território. O município e a freguesia são as ditas "autarquias locais de base": comunidades naturais coladas às populações e assentes na vizinhança.
De modo a entender este conceito, é importante ter em conta os seguintes: o território autárquico que é parte do estado (chama-se circunscrição administrativa); o agregado populacional, onde se definem os interesses a prosseguir pela autarquia; os interesses comuns que servem de fundamento à existência das autarquias locais; e por fim, os órgãos representativos das populações que a compõem.
Estas são entidades independentes e completamente distintas do Estado, embora possam por ele ser fiscalizadas, controladas ou subsidiadas pelo mesmo (Artigo 242ºCRP). Onde quer que haja autarquias locais, enquanto pessoas coletivas distintas do Estado, há descentralização (Artigo 237ºCRP). Quando, além da descentralização em sentido jurídico, há descentralização em sentido político, estamos na presença de uma autoadministração. As autarquias locais são verdadeiramente autónomas, o que é demonstrável pelo poder local, têm um amplo grau de autonomia administrativa e financeira (Artigo 241ºCRP).
Já o distrito é visto como a única divisão do território nacional. Enquanto as regiões administrativas não estiverem concretamente instituídas (regionalização), subsistirá a divisão distrital, havendo em cada distrito, em termos a definir por lei, uma assembleia deliberativa, composta por representantes dos municípios, competindo ao governador civil, assistido por um conselho, representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito (Artigo 291º CRP). Em 2011, no XIX Governo Constitucional, através de um ato legislativo não foi reconduzido aos governadores civis, foi distribuído as respetivas competências pelo Ministério da Administração Interna, Câmaras Municipais, PSP e GNR. Tal, é visto hoje pela doutrina como inconstitucional.
Este nem sempre foi considerado autarquia local, e está destinado a desaparecer. Daí possuírem um caráter transitório e precário. Os distritos enquanto autarquias locais nada de relevante fizeram, nem mesmo como entidades destinadas à coordenação dos municípios, como defende a história. Devido a isso, a Constituição de 1976 determinou como autarquias locais: as freguesias, os municípios e as regiões administrativas. Enquanto que a divisão distrital apenas prevalecia enquanto as regiões não estivessem instituídas.
O próprio Artigo 236º/1CRP apenas integra as freguesias, os municípios e as regiões administrativas. E o Artigo 291º/1 nem sequer se refere a distrito, apenas a "divisão distrital", o que remete mais para ideia de circunscrição do que como autarquia. A lei também não propõe um corpo administrativo para gerir os assuntos distritais, apenas existe uma assembleia deliberativa em cada distrito composta por representantes de municípios (Artigo 291º/2CRP).
Tudo indica que o distrito voltou a perder a sua autonomia. Não passa de uma mera circunscrição onde certos órgãos do Estado atuam. O Professor Freitas do Amaral caracteriza o mesmo como uma longa manus do poder central na área distrital. E, de facto, aplica-se.
O distrito passou por bastante ao longo da história. Evoluiu e regrediu no que toca ao seu estatuto jurídico. Chegou a adquirir personalidade e a perdê-la inúmeras vezes, como agora. É um facto que não é mais útil como no passado talvez fosse. A própria legislação "descarta" como delimitação. E observando os seu efeitos, acaba por ser um contrassenso afirmar o oposto. A Constituição de 1976 acaba por assinar a sua "sentença de morte" enquanto possível autarquia local.
Raquel Ponge, Nº66220
Bibliografia:
- AMARAL, DIOGO FREITAS; "Curso de Direito Administrativo"; Volume I; 4ªEdição.