O Regulamento Administrativo

16-05-2023

O Regulamento Administrativo é uma das peças essenciais do direito administrativo. Este nasce da atuação unilateral da Administração Pública onde pode ocorrer a prática de atos normativos (regulamentos) que se opõem aos atos individuais e concretos (atos administrativos) que também são criados pela Administração Pública.

Nas palavras dos Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Matos Salgado, o regulamento administrativo é "uma decisão do órgão da administração pública que, ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos jurídicos em situações gerais e abstratas"[1]. Já o Professor Diogo Freitas do Amaral vem defender que os regulamentos jurídicos para além de serem normas emanadas por um órgão da administração no exercício do poder administrativo também podem advir de "uma entidade pública ou privada para tal habilitada por lei"[2]. Este encontra- se consagrado no art. 135º do Código de Procedimento Administrativo[3].

É importante salientar que o regulamento, uma vez que se traduz no exercício da função administrativa, não se encontra consagrado no art.112º/1 (CRP) onde constam as formas de lei (e que se traduzem no exercício da função legislativa). Por se tratar de uma forma de atividade administrativa, os regulamentos estão assim sujeitos ao Princípio da Legalidade quer na sua dimensão de preferência de lei (onde os regulamentos não devem contrariar o bloco de legalidade a que se encontram sujeitos, sob pena de invalidade) quer na sua dimensão de reserva de lei (que afirma a necessidade de os regulamentos serem habilitados por lei e a proibição da sua retroatividade). Falamos assim numa ligação umbilical à lei.

Embora o elemento caracterizador do regulamento administrativo, que o permite distinguir de outras formas jurídicas seja tratar-se de um ato geral e abstrato (é de referir que, para o professor Vasco Pereira da Silva, o regulamento ou é geral ou abstrato[4]) este necessita de uma lei habilitante (art. 136º, CPA) e, portanto, encontra-se assim sujeito à Constituição e à lei habilitante.

Contudo, os regulamentos administrativos regulados pelo CPA (arts.135º e seg.) dizem respeito apenas aos regulamentos externos que, segundo os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, visam "a produção de efeitos para fora da pessoa coletiva a que pertence o órgão do qual emanam" [5] uma vez que os regulamentos internos apenas dizem respeito a "disciplinar a organização e o funcionamento da pessoa coletiva a que pertence o órgão do qual emanam"[6] (apenas na qualidade de funcionários e não de cidadãos). Contudo, tal como é normal na vida da doutrina portuguesa, existem divergências doutrinárias relativas à existência de regulamentos internos visto que uma fação da doutrina (na qual se insere o Professor Vasco Pereira da Silva) defendem que os regulamentos internos são possíveis de provocar efeitos externos e que dependem em função dos casos concretos.

Porém para além desta distinção relativa à eficácia dos regulamentos, estes também podem ser classificados relativamente à sua relação com a lei (regulamentos de execução; regulamentos complementares ou regulamentos independentes), à titularidade do interesse público prosseguido (regulamentos autónomos; regulamentos autonómicos), ou quanto ao seu conteúdo (regulamentos de organização; regulamentos de funcionamento; regulamentos de polícia; regulamentos fiscais).

Para o Professor José Carlos Vieira de Andrade, os regulamentos emanados do Governo, das Regiões Autónomas e das Autarquias locais são os mais importantes. Ora, segundo o mesmo autor, os diplomas do Governo adotam a forma de decretos regulamentares quando se trate de regulamentos independentes (que encontram consagração constitucional nos artigos 112º/6 e 199º/c). Posto isto ocorre a necessidade de promulgação pelo Presidente da República e de referenda ministerial.

Quais são os Fundamentos do Regulamento Administrativo?

Podemos aferir a existência de três fundamentos dos regulamentos:

  • Ponto de vista sociopolítico: os regulamentos vêm fundamentar os limites de operação dos próprios órgãos legislativos.
  • Ponto de vista jurídico: os regulamentos assentam no princípio da legalidade (na dimensão de reserva de lei). Relativamente à dimensão de precedência de lei, falamos na necessidade de habilitação por uma norma jurídica que seja hierarquicamente superior.
  • Ponto de vista da estrutura jurídico-constitucional do Estado: A maioria dos regulamentos fundamentam-se no princípio liberal da separação dos poderes que nos permite assim o exercício de competências regulamentares das quais nascem os regulamentos autónomos e os regulamentos autonómicos.

Os Regulamentos Administrativos possuem Funções?

De acordo com o pensamento dos Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, as funções dos regulamentos encontram-se associadas à função administrativa do Estado enquanto função secundária do Estado assente no poder regulamentar da Administração Pública. Por isso mesmo, os regulamentos assentem:

  • Execução das leis: os regulamentos permitem colocar em prática um certo regime legal.
  • Complementar as leis: os regulamentos destinam-se a regular aspetos acessórios que não são estipulados pela lei habilitante diretamente, mas que são necessários para a prática do regime legal.
  • Dinamizar globalmente a ordem jurídica: os regulamentos pretendem introduzir disciplinas normativas materialmente inovatórias que não correspondem à complementação ou execução de leis.

O Procedimento Regulamentar

Recorrendo às normas constantes do CPA (artigos 97º a 101º) aplicáveis aos regulamentos externos, o procedimento regulamentar é composto por quatro fases: iniciativa (esta pode ser pública – quando emitida pelo órgão com competência regulamentar - ou particular – através de petição); preparação do projeto do regulamento (emissão de uma nota justificativa que demonstre a necessidade da adoção do regulamento); participação dos interessados (através de audiência dos interessados ou consulta pública) e a conclusão (aprovação do regulamento ou a sua não aprovação, por arquivo da petição dos interessados, por exemplo).

Sendo os regulamentos aprovados, de acordo com o Professor Diogo Freitas do Amaral, estes necessitam de ser publicitados (art.119º/1/h; CRP) sob pena de ineficácia jurídica (art.119º/2; CRP).

Quais são os requisitos de existência e de legalidade do Regulamento?

Relativamente aos requisitos de existência dos regulamentos falamos dos aspetos constitutivos da noção de regulamento, ou seja, os regulamentos devem ser um "ato jurídico, imaterial, unilateral, normativo, de administração e de gestão pública"[7].

Quanto à legalidade dos regulamentos, estes subdividem-se em:

  • Requisitos subjetivos: primeiro, concretizam a necessidade de o órgão emissor do regulamento ter competência para tal atribuída por lei. Como segundo requisito subjetivo do regulamento, este consiste na idoneidade do autor.
  • Requisitos objetivos: a nível material, o regulamento não pode contrariar o bloco de legalidade nem ser relativo a matérias de reserva de lei. Logo, o objeto e o conteúdo dos regulamentos têm de ser inteligíveis e possíveis. A nível formal, os regulamentos, devem revestir a forma exigida pela Constituição - ou pela lei - onde a configuração dos regulamentos externos, é por excelência, escrita. A nível funcional, os regulamentos para além de terem como fim o interesse público que é estipulado por lei devem também respeitar o princípio da imparcialidade.

E a validade e eficácia dos Regulamentos?

Ao abrigo do art.143º/1 (CPA), os regulamentos que sejam "desconformes com a Constituição, a lei e os princípios gerais de direito administrativo ou que infrinjam normas de direito internacional ou de direito da União Europeia"[8] são inválidos tais como os que desrespeitem os regulamentos provenientes dos órgãos superiores ou dotados de poder de superintendência (art.143º/2/a; CPA) tal como os regulamentos que desrespeitem os regulamentos que provenham do delegante (art.143º/2/b; CPA) como também os regulamentos que infringem os estatutos emanados ao abrigo da autonomia normativa (art. 143º/2/c; CPA).

Esta invalidade é ainda reforçada pelo regime de invalidade consagrado no artigo 144º (CPA) que estipula uma espécie de dois regimes para a invalidade do regulamento - através do seu número um que consta da regra geral – onde, a invalidade, pode ser declarada, a todo o tempo, e o seu número dois, referente à ilegalidade formal ou procedimental, da qual não ocorra a violação de um preceito constitucional que só podem ser considerados inválidos no prazo de seis meses.

Concluindo, os regulamentos cessam a sua vigência através da declaração de invalidade (art.143º, art.144º; CPA), caducidade (art.145º; CPA), revogação (art. 146º; CPA) ou pelo desaparecimento dos seus destinatários que é emanada pelo órgão autor do regulamento, por outro órgão que tenha supremacia, como pelo próprio legislador.

Bibliografia

  • Código do Procedimento Administrativo
  • DE SOUSA, Marcelo Rebelo; MATOS, André Salgado; "Direito Administrativo Geral Tomo III"; 1ªEdição; 2007
  • AMARAL, Diogo Freitas; "Curso de Direito Administrativo"; Volume II; 2ªEdição; Almedina; Coimbra; 2011
  • ANDRADE, José Carlos Vieira de, "Lições de Direito Administrativo"; 5ª Edição; Imprensa da Universidade de Coimbra.
  • Aulas Teóricas do Professor Doutor Vasco Pereira da Silva


[1] DE SOUSA, Marcelo Rebelo, MATOS, André Salgado; "Direito Administrativo Geral Tomo III"

[2] AMARAL, Diogo Freitas; "Curso de Direito Administrativo"; Volume II (pág. 178/179); 2ªEdição; Almedina; Coimbra; 2011

[3] "Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos" – Código de Procedimento Administrativo

[4] Para o Professor Vasco Pereira da Silva, o regulamento ou é geral ou abstrato, pois podem existir situações que são individuais, mas abstratas e, que, portanto, aplicam-se a apenas um destinatário, mas contém carácter abstrato tal como haver uma generalidade e esta ser concreta. Para tal apenas é necessário verificar-se uma destas características para se tratar de um regulamento.

[5] DE SOUSA, Marcelo Rebelo, MATOS, André Salgado; "Direito Administrativo Geral Tomo III"

[6] DE SOUSA, Marcelo Rebelo, MATOS, André Salgado; "Direito Administrativo Geral Tomo III"

[7] DE SOUSA, Marcelo Rebelo; MATOS, André Salgado; "Direito Administrativo Geral Tomo III"

[8] Código do Procedimento Administrativo (art.143º)


Inês Ribeiro; nº66289; Subturma 15; 2ºB

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