O renascimento dos Governadores Civis

18-12-2022

Ainda que a figura do governador civil se encontre extinta desde 2011, existe legislação que a menciona e regula o seu funcionamento, nomeadamente a CRP no seu artigo 291º/3., e o Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro.

Este trabalho tem como objetivo principal estudar este órgão que à tempos existiu, bem como perceber se seria prudente equacionar o seu renascimento no sistema de organização administrativa no nosso país.

Deste modo, começo por analisar o processo de aumento constante do número de órgãos locais, com o propósito de desconcentração de poderes, sendo exemplos: o comandante, à frente de cada comando da PSP e as direcções distritais de finanças, chefiadas pelos directores de finanças. Entende-se para este efeito que os órgãos locais do Estado são "órgãos da pessoa colectiva Estado que, na dependência hierárquica do Governo, exercem uma competência limitada a uma certa circunscrição".

Para o estudo, cabe caracterizar os magistrados administrativos, onde se incluem os governadores, como "órgãos locais do Estado que nas respectivas circunscrições administrativas desempenham a função de representantes do Governo para fins de administração geral e de segurança pública". É certo que nem todos os países possuem "governadores civis" ou, de forma mais ampla, magistrados administrativos, no entanto, a sua existência em Portugal, com base no seu histórico e sistema de organização atual, poderia trazer algumas vantagens.

De forma a reconhecê-las, analisamos o preceito constitucional que lhes confere alguns poderes (291/3. CRP): "Compete ao governador civil, assistindo por um conselho, representar o Governo e exercer os seus poderes de tutela na área do distrito". Assim, não restam dúvidas que nas funções de Governador Civil, como magistrado administrativo, cabem, pelo menos, a representação do Governo e o exercício de poderes de tutela, que com auxílio do DL anteriormente referido, mais precisamente no artigo 4º, estes conceitos são densificados com clareza:

Artigo 4.º

Competências do governador civil

1 - Compete ao governador civil, como representante do Governo:

a) Exercer as funções de representação do Governo na área do distrito;

b) Prestar informações ao Governo acerca de quaisquer asssuntos com interesse para o distrito ou que com aquele tenham relação;

c) Enviar aos membros do Governo ou a quaisquer órgãos administrativos a quem se dirijam os requerimentos, exposições e petições que sejam entregues no governo civil, nos termos do n.º 3 do artigo 77.º do Código do Procedimento Administrativo;

d) Desenvolver todas as diligências necessárias e convenientes a uma adequada cooperação entre os serviços públicos desconcentrados, de acordo com as orientações dos respectivos membros do Governo, e entre aqueles e outros órgãos administrativos localizados na circunscrição distrital.

2 - Compete ao governador civil, no exercício de poderes de tutela:

a) Velar pelo cumprimentos das leis e regulamentos por parte dos órgãos autárquicos;

b) Promover a realização de inquéritos aos órgãos e serviços das autarquias locais e associações de municípios do respectivo distrito, mediante solicitação dos respectivos órgãos deliberativos aprovada pela maioria dos membros em efectividade de funções;

c) Participar ao agente do Ministério Público junto dos tribunais competentes as irregularidades de que indiciariamente enfermem os actos dos órgãos e serviços das autarquias locais e associações de município ou dos seus titulares.

3 - Compete ao governador civil, no exercício de funções de polícia:

a) Tomar as providências necessárias para manter a ordem e a segurança públicas, requisitando, quando necessária, a intervenção das forças de segurança, aos comandantes da PSP e da GNR, instaladas no distrito;

b) Conceder, nos termos da lei, autorizações ou licenças para o exercício de actividades, tendo sempre em conta a segurança dos cidadãos, a prevenção de riscos ou de perigos vários que àqueles sejam inerentes;

c) Elaborar regulamentos obrigatórios em todo o distrito sobre matérias da sua competência policial que não sejam objecto de lei ou regulamento geral, a publicar no Diário da República, após aprovação do Governo, que pode ser efectuada por despacho do Ministro da Administração Interna.

Convém ainda referir, o artigo 8ª do DL nº 252/92, pela sua importância sobretudo em matéria de segurança e ordem pública, fazendo do Governador civil um poderoso órgão de administração política e civil do nosso país:

Artigo 8.º

Urgência

Sempre que o exijam circunstâncias excepcionais e urgentes de interesse público, o governador civil pode praticar todos os actos ou tomar todas as providências adminstrativas indispensáveis, solicitando, logo que lhe seja possível, a ratificação pelo órgão normalmente competente.

Com isto, seria prudente indicar que a competência conferida apenas teria lugar em circunstâncias execionais e urgentes de interesse público, situação que seria analisada pelo próprio, naquele momento mas que posteriormente, os tribunais administrativos poderiam equacionar se os pressupostos se encontravam preenchidos, decidindo se os atos praticados seriam ou não anulados. De notar que o governador seria dotado da possibilidade de escolher, de entre as providências administrativas (o que exclui a pratica de, por exemplo, atos legislativos), a que entendesse mais adequada sem que a sua escolha pudesse ser alvo de controlo por parte dos tribunais administrativos.

Já no que respeita à substituição do órgão normalmente competente, deve interpretar-se de forma restritiva tal como indica Diogo Freitas do Amaral, pelo que o Governador Civil, como órgão do Estado poderá, atentas as circunstâncias referidas, substituir qualquer órgão da pessoa colectiva Estado, incluindo o Governo, e provavelmente qualquer órgão da administração indirecta; mas não poderá substituir-se a órgãos da administração autónoma e, com toda a certeza a órgãos de autarquias locais.

Para concluir, entendo que seria proveitoso a existência de Governadores Civis, tendo como base todas as competências que estes teriam, melhorando a comunicação e clareza nas relações do Estado e as entidades mais localizadas, denotando uma maior eficiência na execução de determinadas tarefas.


  • Bibliografia:

Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, I, Coimbra, 2007

Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo

Pires de Lima e Dias da Fonseca, Código Administrativo actualizado e anotado, I, Coimbra

João Coupers, A administração periférica do Estado


André Lopes

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