Os Contratos Administrativos e a Prevalência de Poderes Públicos

28-05-2023

A Administração Pública não tem de agir sempre de forma unilateral, havendo vezes em que existe um acordo entre a sua vontade e outra. Como sabemos, um contrato é um acordo de vontades bilateral ou plurilateral, sendo que um contrato publico é também um acordo de vontades, que evolve sempre pelo menos um contraente público sujeito a um regime substantivo de Direito Público.

Na nossa realidade atual, estando sujeito a um regime de Contratos Públicos criado pela União Europeia, o legislador português decidiu elaborar o Código dos Contratos Públicos, onde faz a distinção entre contratos administrativos e contratos públicos, de onde se retira que todos os contratos administrativos são contratos públicos, mas o inverso já não acontece. De forma sucinta, um contrato administrativo corresponde ao contrato que à luz do Direito Administrativo cria, extingue ou modifique relações jurídico-administrativas. Já um contrato público pode ser regulado ou pelo Direito Administrativo, ou pelo direito privado submetido pela lei a um especial procedimento, regulado por normas de DUE.

Ao longo dos anos foi discutido o que se teria de verificar para estarmos na presença de um contrato administrativo e não na de outras atividades da Administração, sendo que a sua classificação dependia de vários critérios segundo os diferentes autores.

Para a discussão os Professores João Caupers e Sérvulo Correia contribuíram apresentando os critérios do objeto e o critério estatutário, concluindo por uma definição de contrato administrativo como constituinte de um "processo próprio de agir da Administração Pública que cria, modifica ou extingue relações jurídicas, disciplinadas em termos específicos do sujeito administrativo, entre pessoas coletivas da Administração ou entre a Administração e os particulares."

Paulo Otero considera que o contrato administrativo está no mesmo plano que o ato administrativo, por serem meios normais de exercícios da atividade administrativa pública, uma vez que defende uma prevalência legal pela utilização de contrato administrativo relativamente ao ato administrativo.

Marcelo Rebelo de Sousa entende que a bilateralidade do acordo de vontades é a característica estrutural do contrato administrativo, sendo por isso que se distingue das outras formas de atividade da Administração Pública. Diz também que o que releva não será o objeto (criar, modificar ou extinguir relações jurídico-administrativas), mas sim a produção visada de efeitos sobre relações jurídico-administrativas, uma vez que apesar de parecem excluídos do âmbito do artigo 178º/1 do CPA, os contratos administrativos meramente declarativos também se tratam de contratos administrativos e não criam, modificam ou extinguem relações jurídicas administrativas. Marcelo Rebelo de Sousa indica ainda outro critério, o do interesse público. Diz que será este o critério que autonomiza os contratos administrativos, uma vez que o interesse publico prosseguido pela administração está sempre presente nestes contratos, prevalecendo sobre os interesses privados em causa, e será por isso que o contraente público sobrepõe-se em poderes ao nível de regras de modificação ou resolução dos contratos e normas reguladoras do incumprimento.

Não obstante, à luz do nosso regime atual, um contrato só pode ser um contrato administrativo se se verificarem 3 requisitos:

  • Acordo de vontades bilateral/plurilateral – o contrato só é administrativo que prime facie, se tratar de um contrato, por isso é necessário um acordo bilateral ou plurilateral composto pelas respetivas declarações negociais das partes;
  • Um contraente público, pelo menos – para ser contrato administrativos é preciso o envolvimento da Administração. Se todas as partes forem contraentes públicos tratar-se-á de um contrato interadministrativo.
  • Subordinação a um regime substantivo de Direito Administrativo – o conteúdo do contrato tem de ser regulado por normas de Direito Administrativo, de que manifestamente resulta a prevalência dos poderes públicos aos interesses privados.

Adicionalmente, existem alguns contratos que a lei prevê como expressamente administrativos, dos quais: os contratos de empreitada de obras públicas, concessão de obras públicas e de serviços públicos, aquisição e locação de bens móveis e aquisição de serviços, todos discriminados na parte III do Código dos Contratos Públicos.

Para densificar ainda mais o conceito de contrato administrativo, importa saber, de forma breve, quais os princípios que o regem. Do Art. 1º/1 do CCP retiram-se em especial, "os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da imparcialidade, da proporcionalidade, da boa-fé, da tutela da confiança, da sustentabilidade e da responsabilidade, bem como os princípios da concorrência, da publicidade e da transparência, da igualdade de tratamento e da não-discriminação", e para além destes todos os princípios gerais decorrentes da Constituição, dos Tratados da União Europeia e do Código do Procedimento Administrativo. Veremos daqui em diante que não se pode afirmar com toda a certeza que é respeitado o princípio da igualdade de tratamento (pelo menos no que diz respeito ao tratamento igual das partes do contrato), em detrimento do princípio da prossecução do interesse público.

Visto o conceito de contrato administrativo, o Código do Procedimento Administrativo remete-nos para o regime substantivo dos contratos administrativos (Art. 200º) regulado no Código dos Contratos Públicos (Parte III) para vermos como este opera.

Acontece que, com a entrada em vigor do CCP, acrescenta-se à supremacia jurídica do contraente público que no passado existia de poderes de modificação e de resolução por razões de interesse público, já anteriormente falada, a atribuição de drásticos poderes públicos de reação sobre o incumprimento por parte do co-contratante. Embora o contraente público mantenha o poder clássico de impor sanções contratuais, o CCP estabelece que essas sanções devem ser formalizadas por meio de ato administrativo, com função tituladora, sendo que algumas dessas sanções impõem obrigações e restrições que podem ser executadas coercivamente, como será o caso do previsto no Art. 9º do CPA.

Além disso, mesmo quando a lei não menciona explicitamente a imposição coerciva de sanções, ela admite implicitamente essa possibilidade, como é o caso da execução de cauções para o pagamento de sanções pecuniárias. Mesmo o contrato em si pode ser executado, permitindo que o contraente público imponha coativamente as obrigações contratuais não cumpridas referentes a prestações fungíveis. Também será relevante destacar que a execução coerciva pode ser estendida às próprias pretensões secundárias, já que a caução fornecida pelo co-contratante pode ser executada pelo contraente público para reaver os prejuízos causados pelo incumprimento.

Assim, com o CCP o legislador parece ter demonstrado uma sensibilidade especial à exigência de proteção efetiva do interesse público no cumprimento do contrato, deixando de lado as considerações doutrinárias que inspirariam a retórica da igualdade das partes num contrato administrativo.

No novo regime português, a desigualdade entre as partes do contrato administrativo, estabelecida em prol da proteção do interesse público que o contraente público serve, torna-se ainda mais evidente ao considerarmos certos aspetos do regime de incumprimento por parte do contraente público, especialmente em relação à margem que este dispõe para se opor (por meio de resolução fundamentada) à invocação de exceção de não cumprimento do contrato por parte do co-contratante.

Embora se concorde com um regime jurídico assimétrico que concede ao contraente público uma posição de supremacia para reagir efetivamente ao incumprimento do co-contratante, parece haver alguma desigualdade, talvez até excessiva, na forma como o CCP protege os interesses de cada uma das partes no cumprimento do contrato. 

Estaremos, por isso, novamente perante uma Administração Agressiva?


Bibliografia

CAUPERS, JOÃO «Introdução ao Direito Administrativo», 10ª edição, Âncora, Lisboa, 2009

REBELO DE SOUSA, MARCELO, e SALGADO DE MATOS, ANDRÉ, «Direito Administrativo Geral», D. Quixote, Lisboa - tomo III - «Actividade Administrativa», 1ª edição, 2007

AMARAL, DIOGO FREITAS DO «Curso de Direito Administrativo», vol.II, 2ªed., Almedina, 2011

GONÇALVES, PEDRO «Cumprimento e Incumprimento do Contrato Administrativo»


Eva Martins, Nº Aluno: 66220

Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora