Os problemas da administração eletrónica

14-04-2023

O artigo 14 do Código de Procedimento Administrativo (CPA) prevê o dever de a Administração Pública de utilizar meios eletrónicos no desempenho da sua atividade, já que, como o mesmo estabelece, deve promover a eficiência e a transparência administrativa.

O professor Freitas do Amaral entende que não se trata de uma imposição generalizada, mas sim uma preferência. Este defende que o próprio legislador reconhece as limitações de vária ordem do uso generalizado destes meios, dando os exemplos dos art.º 61/1, 63, 64, e 112 do CPA.

Já o professor Miguel Raimundo defende que o propósito deste princípio foi o de criar uma habilitação normativa genérica para a utilização pela Administração, dos meios eletrónicos. Mas como é que se concretiza este princípio e habilitação genérica?

A verdade é que no nosso ordenamento jurídico já existiam referencias relativas aos meios eletrónicos por parte da Administração, como o DL 74/2014 de 13 de maio, contudo, este artigo afigurou-se como uma novidade para a Administração.

É no procedimento administrativo que se manifesta este princípio da administração eletrónica. Contudo, resta saber em que procedimentos e em que circunstâncias há um dever de proceder a meios eletrónicos no exercício da Administração.

Para começar, é complicada a concretização generalizada aos meios eletrónicos tendo em conta o próprio número 5 desse mesmo artigo que prevê a igualdade no acesso a serviços administrativos, pois nem toda a população tem livre recurso aos meios tecnológicos. Por um outro lado, é inegável que na sociedade atual, essa população afigura-se como uma minoria, e a mais frequente utilização da tecnologia poderia resultar numa maior proliferação e mais facilitado acesso da informação, principalmente das camadas mais jovens.

Por isso, é proposto que o poder público apresente e promova medidas, como já o faz, principalmente posteriormente à pandemia, que viabilizem a adaptação da população ao mundo digital. O próprio art.º 14/4 afigura-se como uma forma de auxílio a essa adaptação já que prevê que deve ser a Administração Pública a disponibilizar os meios. Este até designa alguns dos serviços que podem e devem ser prestados on-line.

Como vimos, todavia, esses serviços não podem ser disponibilizados singularmente eletronicamente. Isso resultaria numa violação por parte da Administração do princípio da igualdade, presente no artigo 6 do CPA, por tratar situações diferentes, no caso em que alguém tenha acesso à internet e outro não, de forma igual. Infringir-se-ia a regra de tratar situações iguais de forma igual, e situações distantes de forma diferente. Assim, a AP tem de apresentar sempre a escolha ao cidadão.

O próprio artigo 61/3 al. b) do CPA é um instrumento para esta alternidade, por prever exatamente isso: a alternativa. Permite ao individuo optar por receber instrumentos necessários à comunicação por via eletrónica, sem detrimento de quem não queira ou não o faça dessa forma tenha acesso aos mesmos meios e, por isso, não seja de alguma forma tratado de forma desigual por isso.

O número 5 do artigo 14 vem prevenir que exista uma violação do princípio da igualdade em outra vertente. Este vem prever quer no caso em que o indivíduo realmente opte por enveredar pelas alternativas eletrónicas quer nos casos em que tenha preferência a utilizar os meios tradicionais, não seja de alguma forma discriminado por essa escolha. Ou seja, que o tratamento não se altere dependendo da forma como a pessoa decidiu recebê-lo.

Já o número 6 do artigo menciona novamente um tipo de diferenciação, neste caso positiva, sem isso pôr em causa o princípio da igualdade previsto no número anterior. Contudo, será complicada a concretização de um tipo de discriminação positiva quanto a quem decida recorrer a meios eletrónicos prescindindo dos meios tradicionais que não ponha em causa o princípio da igualdade estabelecido no número anterior.

O artigo 3º do DL 74/2014 estabelece que os montantes cobrados pelos serviços e organismos da AP devem ser diferenciados em função do modo utilizado para o efeito. Esta é efetivada através da redução de custo no recurso aos serviços on-line, em relação ao valor base cobrado no atendimento presidencial. Este é um exemplo de uma diferenciação positiva, que apesar de realmente poder resultar num maior incentivo por parte da população a recorrer a estes meios, põe em causa a proibição presente no artigo 14/5 da violação do princípio da igualdade.

A verdade é que a sociedade atual é um entrave à Administração puramente digital, apenas recorrendo a meios eletrónicos. A sua população não está preparada para uma reforma que resulte num funcionamento totalmente tecnológico. Como vimos, esse fenómeno resultaria em inúmeras desigualdades, pelo número considerável de pessoas que ainda hoje não têm acesso a este tipo de recursos, seja pela idade ou por carência económica.

Assim, na era global em que vivemos, a Administração tem de evoluir ao ritmo do restante mundo, sendo por isso essencial que integre progressivamente mudanças que cumulativamente resultem numa Administração integralmente eletrónica, e que essa realidade não seja acompanhada de violações do princípio da igualdade.

Bibliografia

AMARAL, Diogo Freitas. Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4ª Edição, 2015, pp. 129 e ss. 

SOUSA, Marcelo Rebelo, MATOS, André Salgado, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2006, pp. 222 e ss. 

RodrigoViveirostesefinal.pdf (ucp.pt) 


Beatriz Abreu nº: 66361

Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora