Procedimento administrativo

28-05-2023

1. Introdução ao procedimento administrativo

Segundo o professor Freitas do Amaral, a atividade não se esgota na tomada de decisões, antes da decisão existem atos preparatórios que necessitam de ser praticados bem como estudos e averiguações feitas, exames e vistorias realizadas e informações e pareceres colhidas.

A atividade da administração publica, é, assim, em larga escala, uma atividade processual, uma vez que passar por etapas que sucedem numa determinada sequência para chegar a um fim (chama-se a isto procedimento administrativo).

Do Código do Procedimento Administrativo extrai-se a definição de procedimento administrativo sendo uma "sucessão ordenada de atos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução" e o professor Freitas do Amaral, deste artigo retira a ideia de que se trata da sequência juridicamente ordenada de atos e formalidade tendentes à preparação e exteriorização da prática de um ato da administração ou à sua execução":

  1. O procedimento é uma sequência- os elementos que integram o procedimento encontram-se dispostos numa certa ordem ao longo do tempo, com princípio, meio e fim. Constituem um encadeamento de atos e formalidades que se prolonga no tempo;
  2. O procedimento é uma sequência juridicamente ordenada- a lei determina quais os atos a praticar, as formalidades a observar, os prazos a cumprir, a ordem dos tramites a respeitar, o momento em que cada um deve ser efetuado, etc…;
  3. O procedimento é uma sequência de atos e formalidades- encontramos atos jurídicos como merdas formalidades;
  4. O procedimento tem por objeto um ato da administração- o envolvimento da administração pública e o facto do seu objeto ser um ato da administração é que dá o caráter administrativo ao procedimento;
  5. O procedimento tem por finalidade preparar e exteriorizar a prática de um ato ou respetiva execução.

2. Objetivos da regulamentação do procedimento administrativo

Do artigo 267º da Constituição Portuguesa resulta que os objetivos da regulamentação jurídica do procedimento administrativo são a disciplina da atividade administrativa, assegurando a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços, evitando a burocratização e aproximando os serviços públicos das populações, o esclarecimento da vontade administrativa, na medida em que sejam tomadas decisões legais e adequadas à luz do dever da administração prosseguir o interesse publico da melhor forma, a salvaguarda dos direitos subjetivos e interesses legítimos dos particulares, impondo à administração cautelas para que eles sejam respeitados e assegurar a participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito.

Destes objetivos resulta o princípio da eficiência, princípio da legalidade e boa administração, princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e a democracia participativa.

3. Espécies de procedimentos administrativos

Quanto a quem toma iniciativa de desencadear o início do procedimento (53ºCPA):

  • Procedimentos de iniciativa pública- procedimentos que a administração toma a iniciativa de desencadear;
  • Procedimentos de iniciativa particular- procedimentos desencadeados por iniciativa dos particulares.

Quanto ao objeto do procedimento:

  • Procedimentos decisórios- procedimentos que têm por objeto preparar a prática de um ato da administração;
  • Procedimentos executivos- procedimentos que têm por objeto executar um ato da administração.

Quanto à regulação:

  • Procedimentos administrativos comuns- procedimentos regulados pelo próprio código do procedimento administrativo;
  • Procedimentos administrativos especiais- procedimentos regulados em leis especiais (p.ex.: procedimento de licença de construção ou formação de contratos públicos regulado no CCP).

Quanto à natureza punitiva (32º/10CRP):

  • Procedimentos administrativos sancionatórios- procedimentos que podem dar lugar à prática de um ato punitivo (p.ex.: procedimentos contraordenacionais, disciplinares ou outros);
  • Procedimentos administrativos não sancionatórios- todos os demais procedimentos, aqueles cujo ato final não reveste natureza sancionatória.

4. Etapas do procedimento administrativo de 1.º grau

O professor Freitas do Amaral distingue o procedimento em seis fases, a fase inicial, fase de instrução, fase da audiência dos interessados, fase da preparação da decisão, fase da decisão e fase complementar, no entanto, as etapas variam de autor para autor.

4.1. Fase inicial

É a fase em que se dá início ao procedimento, encontrando previsão no artigo 53ºCPA.

O início pode ser desencadeado:

  • Pela administração, através de um ato interno, neste caso esta deverá comunicá-lo às pessoas cujos direitos ou interesses legalmente protegidos possam ser lesados pelos atos a praticar no decurso do procedimento e que possam ser desde logo nominalmente identificadas (110º/1CPA);

  • Por um particular, em regra através de um requerimento. Quando é o particular que toma a iniciativa de desencadear o procedimento, deve fazê-lo através da apresentação de um requerimento escrito, ou enviado por correio eletrônico, do qual constem as várias menções indicadas no artigo 102º/1CPA. Pode acontecer, excecionalmente a lei admitir um pedido verbal.

A apresentação do requerimento pode ser feita das seguintes formas (104º/1CPA):

  1. Entrega nos serviços, valendo como data de apresentação a da entrega
  2. Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data de apresentação a da efetivação do registo postal
  3. Envio através de telefax ou transmissão eletrônica de dados, valendo como data de apresentação a do termo de expedição
  4. Envio por transmissão eletrônica de dados, valendo como data da apresentação a da respetiva expedição
  5. Formulação verbal, quando a lei admita essa forma de apresentação

Da fase inicial pode ainda fazer parte a tomada de medidas provisórias, isto é, as medidas que se mostrem necessárias, na ocasião de poder acontecer, sem tais medidas, se constituir uma situação de facto consumado ou se produzirem prejuízos de difícil reparação para os interessados públicos ou privados em presença, e desde que, uma vez ponderados esses interesses, os danos que resultariam da medida se não mostrem superiores aos que se pretendam evitar com a respetiva adoção (89º/1 CPA).

A decisão de ordenar ou alterar qualquer medida provisória não carece de audiência prévia, deve ser fundamentada e fixado prazo para a sua vigência. Do mesmo modo, a revogação das medidas provisórias deve ser fundamentada (89º/2,3,4CPA). As medidas provisórias caducam quando (90ºCPA):

  1. Seja proferida decisão definitiva no procedimento
  2. Expire o prazo que lhe tenha sido fixado ou a respetiva prorrogação
  3. Expire o prazo fixado na lei para a decisão final
  4. A decisão final não seja proferida dentro dos 180 dias seguintes à instauração do procedimento

4.2. Fase de instrução

Esta fase destina-se a averiguar os factos que interessam à decisão final e recolher as provas que se mostrem necessárias (115º a 120ºCPA). Trata-se de uma fase dominada pelo princípio do inquisitório (58ºCPA).

A direção do procedimento cabe ao órgão competente para a decisão final (55º/1CPA), no entanto, o CPA regula três distintas hipóteses:

  1. O órgão competente para a decisão final só dirige pessoalmente a instrução quando uma disposição legal, regulamentar ou estatuária assim o impuser, ou quando a isso obrigarem as condições de serviço ou outras razões ponderosas, devidamente fundamentadas – aqui o diretor do procedimento é o órgão decisório
  2. Fora desses casos, a lei obriga o órgão competente para a decisão final a delegar num seu subalterno, ou, se se tratar de um órgão colegial num dos seus membros ou num agente dele dependente, o poder de direção do procedimento. A regra geral é a de que o diretor do procedimento é um delegado do órgão decisório, isto para não assoberbar os órgãos decisórios com a instrução de numerosos procedimentos.
  3. O diretor do procedimento, por sua vez, pode incumbir um subalterno seu da realização de diligências instrutórias especificas. Aqui a delegação de certas competências compete a um subdelegado.

4.3. Fase de audiência dos interessados

A fase de audiência do arguido começa com a acusação (documento em que o instrutor indica os factos que considera provados e a pena que lhes corresponde). A acusação é notificada ao arguido e a este é concedido o direito de se defender, examinando o processo, apresentando a sua resposta e indicando testemunhas de defesa e apreciar os demais elementos de prova oferecidos pelo arguido.

Trata-se da terceira fase do procedimento administrativo, onde é assegurado aos interessados o direito de participarem na formação das decisões que incidam na sua esfera jurídica.

Inclui a notificação dos interessados antes de ser tomada a decisão final sobre o sentido provável desta, de modo que estes possam pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, bem como o requerimento de diligências complementares e juntar documentos (121º/2CPA), sendo que se segue a ponderação, pelo instrutor, dos argumentos e razões apresentadas pelos interessados em defesa do seu ponto de vista.

A comunicação do sentido provável da decisão aos interessados deve ser acompanhada de uma adequada fundamentação, ou seja, das razões pelas quais a administração decide beneficiar ou prejudicar o particular, até porque se este não conhecer as razões da administração, provavelmente, na audiência prévia, não terá a oportunidade de contra-argumentar eficazmente.

Existem situações em que o diretor do procedimento não é obrigado a proceder à audiência dos interessados, no entanto, se tal suceder, as razões que fundamentam essa dispensa devem estar expressas e indicadas na decisão final (124º/2 e 126ºCPA).

A dispensa é legitima quando, de acordo com o artigo 124º/1CPA:

  1. A decisão seja urgente
  2. Os interessados tenham solicitado o adiamento da audiência oral e, por facto que lhes seja imputável, não tenha sido possível acordar uma nova data
  3. Seja razoavelmente de prever que certa diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão
  4. O número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, quando possível, pela forma mais adequada
  5. Os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas.
  6. Os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão inteiramente razoável aos interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, quando possível, pela forma mais adequada inteiramente razoável aos interessados

Caso seja obrigatória a audiência previa dos interessados, e esta não ocorra, constitui uma ilegalidade, um vicio de forma por preterição de uma formalidade essencial. O vicio gera nulidade se o direito à audiência for concebido como um direito fundamental (161º/1 d) CPA, 267º/5CRP), por via da cláusula aberta dos direitos fundamentais, nos artigos 16.º a 18.º da CRP, se não o for, a falta de audiência produzirá uma mera anulabilidade (163º/1CPA).

4.4. Fase de preparação da decisão

Trata-se da fase em que a administração toma em conta o quadro da fase inicial, a prova recolhida na fase de instrução, e os argumentos aduzidos pelos particulares na fase de audiência dos interessados (125º e 126ºCPA).

É o momento de ponderar e reanalisar todo o procedimento até então percorrido.

O procedimento é levado ao órgão decisório. Se o órgão decisório for um órgão singular, profere um despacho e se for um órgão colegial, o assunto deve ser inscrito na agenda da próxima reunião dos órgãos competentes para a deliberação. O órgão decisório pode, no entanto, ordenar novas diligências considerando insuficiente a instrução, podendo também solicitar novos pareceres (125ºCPA).

No procedimento administrativo comum regulado pelo CPA, o diretor do procedimento nesta fase, se não for o órgão competente para a decisão final, elabora um relatório no qual indica o pedido do interessado, resume o conteúdo do procedimento, incluindo a fundamentação da dispensa da audiência dos interessados, quando esta não tiver ocorrido, e formula uma proposta de decisão, enunciando sinteticamente as razões de facto e de direito que a justificam (126ºCPA).

4.5. Fase da decisão

Nesta fase aplicam-se as regras de direito administrativo constantes na parte IV do CPA.

Quanto a prazos:

  • Os procedimentos de iniciativa particular devem ser decididos no prazo de 90 dias, salvo se outro prazo decorrer da lei, podendo o prazo, em circunstâncias excecionais, ser prorrogado pelo diretor do procedimento, por um ou mais períodos até ao limite máximo de 90 dias, mediante a autorização do órgão competente para a decisão final, quando as duas funções não coincidem no mesmo órgão (128º/1CPA);
  • Em princípio, a falta de prazo legal, da decisão final sobre pretensão dirigida ao órgão administrativo competente constitui incumprimento do dever de decisão, conferindo ao interessado a possibilidade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequada (129ºCPA);
  • Os procedimentos de iniciativa oficiosa, passiveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados, caducam, na ausência de decisão no prazo de 180 dias (128º/6CPA).

Para além da sua extinção através da decisão final expressa, o procedimento pode extinguir-se por desistência do pedido ou renúncia por parte dos interessados aos direitos ou interesses que pretendiam fazer valer face o procedimento (131ºCPA), deserção dos interessados (132ºCPA), impossibilidade ou inutilidades supervenientes do procedimento (95ºCPA), falta de pagamento de taxas ou despesas devidas (133ºCPA) ou formação de deferimento tácito (130ºCPA).

4.6. Fase complementar

Trata-se de fase onde são praticados certos atos e formalidades posteriormente à decisão final do procedimento, tais como os registos, o arquivamento de documentos, a sujeição a controlos internos ou a aprovação tutelar, o visto do tribunal de contas, a publicação no diário da república ou noutro jornal oficial, a publicação em jornais ou afixação nos lugares de estilo, bem como a notificação da decisão aos destinatários (quando necessária, 114ºCPA), etc…

Bibliografia/Consulta:

AMARAL, Diogo Freitas do Curso de Direito Administrativo Volume II, 4ºedição, Almedina

CAUPERS, João Introdução ao direito administrativo, 10ªedição, Âncora editora

PEREIRA DA SILVA, Vasco, apontamentos das aulas teóricas


Sabrina Oliveira, 

66300.

Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora