Regime jurídico dos pareceres e a sua desvalorização
O presente artigo visa realizar um breve comentário acerca do regime jurídico dos pareceres e da sua potencial desvalorização, associada ao artigo 92.o do Código de Procedimento Administrativo. Para este efeito, parece-me pertinente definir onde se localiza o tipo de ato que é o parecer jurídico, de entre os atos primários, secundários ou instrumentais e, de seguida, circunscrever o próprio conceito, procedendo à análise do respectivo regime.
Com o objetivo de melhor compreender o motivo por detrás das exceções abertas ao regime dos pareceres jurídicos previstos no artigo 91., delinear-se-a uma concepção acerca do principio da boa administração, em particular, sobre a sua vertente funcional, que concerne à celeridade.
Os atos primários são aqueles que incidem pela primeira vez numa determinada situação individual e concreta; por outro lado, os atos secundários, são aqueles que têm por objeto um ato primário, ou ainda os que incidem numa situação que já foi previamente regulada por um ato primário. Existem ainda pronúncias administrativas, que não envolvem uma decisão de autoridade, consistindo em auxiliares do ato primário, que são designados por atos instrumentais.
A categoria dos atos instrumentais inclui as simples declarações e os atos opinativos. As simples declarações verificam ou reconhecem a validade de factos ou situações já existentes, enquanto que os atos opinativos atos através dos quais a Administração Pública emite um ponto de vista fundamentado, acerca ou de uma questão técnica, ou jurídica.
Por sua vez, dentro dos atos opinativos, podem haver três modalidades de atos, entre os quais, os pareceres, cujas tipologias e regime jurídico se encontram previstos nos artigos 91.o e 92.o do Código de Procedimento Administrativo. Esta figura designa os atos opinativos (opinião crítica autorizada) que são realizados por peritos em determinados assuntos, ou por órgãos colegiais de natureza consultiva. Os pareceres aprofundam determinados problemas, propondo uma solução fundamentada final, constituindo diligências procedimentais de natureza instrutória e consultiva. Isto significa que lhes falta autonomia para produzir efeitos externos nas esferas jurídicas de terceiros (ou seja, sem ser ao órgão que emitirá a decisão).
De acordo com o artigo 91.o do CPA, os pareceres podem ser "obrigatórios ou facultativos, consoante sejam ou não exigidos por lei" e ainda "vinculativos ou não vinculativos, conforme as respectivas conclusões tenham ou não de ser seguidas pelo órgão competente para a decisão", sendo que o artigo 91.o/2 estabelece a regra geral do nosso ordenamento jurídico, que é que os pareceres que se encontrem legalmente previstos, se consideram obrigatórios e não vinculativos, salva disposição expressa em contrário. Isto torna os casos em que os pareceres são vinculativos para o órgão emitente, excepcionais.
Na opinião do Professor Freitas do Amaral, quando os pareceres jurídicos têm esta propriedade vinculativa, os seus órgãos emissores tornam-se os verdadeiros decisores do caso, sustentando que a decisão, ao estar previamente determinada pelo parecer, se torna uma mera formalidade. Deste modo, segundo esta doutrina, o ato administrativo passa a ter dois autores - o órgão consultivo/especialista e o órgão dotado de competência para tomar a decisão e torná-la definitiva. O Professor apresenta-se como crítico desta solução, relativamente às situações dos pareceres favoráveis, uma vez que, na sua ótica, os órgãos consultivos se tornam superiores aos órgãos decisórios. Não obstante, afirma que a evolução apresentada faz sentido relativamente aos pareceres vinculativos negativos, que funcionam, então, como vetos.
Há ainda quem sustente que os pareceres vinculativos não são uma "pré-decisão", mas sim um pressuposto da decisão (ato administrativo final), uma vez que as suas conclusões têm de ser seguidas na decisão (nos termos do artigo 91.o/1). Neste sentido, se um ato for praticado sem emissão de parecer vinculativo legalmente exigido, é, portanto, inválido por falta de pressuposto, nos termos do artigo 155.o/1.
No caso do parecer ser pedido ao devido órgão e não ser emitido dentro dos prazos constantes do artigo 92.o, o procedimento deve prosseguir sem o parecer, como resulta do número 5 do mesmo preceito, não gerando a invalidade do ato administrativo final. A ratio desta estatuição, que se encontra subjacente a este regime, é que a lentidão dos órgãos consultivos não deve atrasar o procedimento e, por isso, sacrificar a eficiência da/ Administração ativa.
O artigo 5.o do CPA consagra o princípio da boa administração para toda a atividade administrativa. Deste modo, o conteúdo dos atos levados a cabo pela Administração Pública deve ser simultaneamente inspirado pelo dever de satisfazer da maneira mais eficiente, económica e célere, os interesses públicos legalmente estipulados. Podem ser identificadas duas vertentes - a vertente funcional, prevista no número 1, e a vertente organizacional, prevista no número 2.
Por sua vez, no número 1 do artigo 5.o do CPA, é possível concluir que a vertente funcional tem duas propriedades, a celeridade (obrigação da Administração Pública de tomar decisões e tempo útil) e a racionalidade económica de função administrativa.
Ao querer evitar a lentidão dos procedimentos administrativos, pretendendo que não fiquem "presos", a aguardar a emissão de um parecer, o legislador escolheu privilegiar o princípio da boa administração, na sua vertente da celeridade administrativa. Afigura-se, agora, relevante, perceber se esta priorização tem impacto significativo no regime jurídico dos pareceres.
Contrariamente ao que pensa o Professor Freitas do Amaral, que crê que a norma se encontra adequada à situação, alguma doutrina acredita que, do próprio regime jurídico consagrado no artigo 92.o do CPA, decorre uma desvalorização completa do contributo dos pareceres jurídicos para a decisão final, através do que se afigura como um contrassenso, uma vez que se consagra a obrigatoriedade e vinculação dos pareceres, nos casos em que cabe a sua aplicação, para depois lhes retirar essas mesmas propriedades. estabelecendo as exceções dos números 5 e 7, do preceito em análise, relacionadas com o decurso do prazo.
Conclui-se que o legislador optou por fazer pesar a celeridade do procedimento administrativo neste regime dos pareceres, indo ao encontro da razão por detrás da maioria das alterações que surgiram em 2023. Na minha opinião, em nome da celeridade do procedimento, descaracterizou-se e retirou-se o propósito dos pareceres vinculativos legalmente exigidos, previstos no artigo 91.o, abrindo exceções ainda mais gravosas no regime em questão, nomeadamente nos números 5 e 7 do artigo 92.o do CPA.
Bibliografia
AROSO DE ALMEIDA, M. (2022). Teoria Geral do Direito Administrativo, 10.a ed., Almedina. Coimbra.
FREITAS DO AMARAL, D. (2020). Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4.a ed., Almedina. Coimbra.
GONÇALVES, F., ALVES, M. J., VIEIRA, V. M., GONÇALVES, R. M., CORREIA, B., GONÇALVES, M. (2017). Novo Código do Procedimento Administrativo - Anotado e Comentado, 5 a ed., Almedina. Coimbra