Notícia: Secretário de Estado Miguel Alves demite-se

17-11-2022

Gonçalo Avelar Henriques


SUMÁRIO: §1.º - Introdução; §2.º - Breve enunciação da matéria de facto; §3.º - Conceitos introdutórios; §4.º - Contextualização do ponto de vista doutrinário; §5.º - Consequências da sua exoneração; §6.º - Bibliografia.


          §1.º - Introdução


Foi noticiado, no passado dia 10 de novembro do respetivo ano, a demissão apresentada por Miguel Alves ao Primeiro-Ministro (Dr. António Costa). A demissão foi aceite por este, que, mais tarde, propôs ao Presidente da República a exoneração do seu Secretário de Estado. A exoneração, nos termos do artigo 133.º, alínea h), da Constituição da República Portuguesa, delimita que a mesma só pode ser decretada pelo Presidente, sob proposta do Primeiro-Ministro.


Os factos descritos anteriormente respeitaram os trâmites legais e constitucionais, sendo que depois destes acontecimentos, ainda houve lugar à publicação do ato e à respetiva referenda, que ocorreu no dia 11 novembro 2022.


          §2.º - Breve enunciação da matéria de facto 


Na presente notícia, aqui, exposta importa retirar a ideia de que a matéria nele constante é muito abrangente e, portanto, optei por proceder a uma limitação, de forma a concentrar a matéria a analisar no Direito Administrativo. Este facto acontece, porque, efetivamente, esta notícia, tanto abrange matéria ao nível de direito constitucional como de direito administrativo, entre variadíssimas outras matérias, uma vez que a demissão de um Secretário de Estado implica inúmeras consequências tanto políticas como jurídicas.


Do programa, que se encontra previsto para se lecionar no primeiro semestre da cadeira de Direito Administrativo I, cujo regente é o Professor Vasco Pereira da Silva, achei por bem restringir a matéria presente nesta notícia e limitar-me, apenas, a clarificar a questão da delegação de poderes assim como a sua irrenunciabilidade e intransmissibilidade.


          §3.º - Conceitos introdutórios


Na verdadeira aceção da palavra, podemos definir a delegação de poderes como sendo uma transferência de competências ou poderes. Esta delegação possibilita que outro órgão ou agente, que primordialmente não tem competência para praticar determinados atos, passe a poder praticar determinados atos administrativos, que se encontram delimitados pela delegação de poderes.


Para haver delegação de poderes é necessário que o órgão delegante seja titular da competência delegada, titularidade dependente de uma norma que a confira, e que uma norma jurídica habilite o delegante a praticar o ato que a tem por conteúdo (Artigos 36.º/1, 44.º/1 e 47.º/1 do Código de Procedimento Administrativo).


MARCELO REBELO DE SOUSA, defende a ideia de que para haver uma verdadeira delegação de poderes é preciso estarem preenchidos três pressupostos, tais quais:

              1.° - «a vigência de lei de habilitação, ou seja, de lei que preveja a delegação de                             poderes e, eventualmente, circunscreva o seu conteúdo (Art.° 114.° n.° 2 da                                         Constituição da República Portuguesa e Artigos 29.°, n.os 1 e 2, e 35.°, n.° 1, do Código                       do Procedimento Administrativo»; uma vez que a presente edição do livro "Lições de                   Direito Administrativo" é datada do ano 1995, os artigos já não correspondem                               verdadeiramente aos artigos mencionados. Podemos, portanto, mencionar que o                       Artigo 114.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa corresponde, atualmente,                 ao Artigo 111.º n.º 2 da CRP. Enquanto os Artigos 29.°, n.os 1 e 2, e 35.°, n.° 1, do Código                 do Procedimento Administrativo, correspondem, hoje em dia, aos Artigos 36.º, n.os 1                 e 2, e 44.º 1 do CPA, respetivamente.   

              2° - «a existência de dois órgãos, ou de um órgão e um agente, da mesma pessoa                         coletiva pública» (delegação de competências), «ou de dois órgãos de pessoas                             coletivas diferentes» (delegação de atribuições);

              3° - «a prática de um ato de delegação de poderes, através do qual o delegante                             permite ao delegado a actuação no domínio da matéria objecto daquela delegação».


Apesar do Professor MARCELO REBELO DE SOUSA não ter feito referência, é ainda necessário que o delegante especifique os poderes que são delegados (cfr. Artigo 47.º/1 do CPA), sendo que a produção de efeitos da delegação está, ainda, dependente da sua publicação (cfr. artigo 47.º/2 do CPA), sob pena de ineficácia (cfr. Artigo 159.º do CPA).


          §4.º - Contextualização do ponto de vista doutrinário


As posições em torno da definição da delegação de poderes são variadíssimas, portanto, decidi optar por enquadrar, apenas três, sendo que umas delas é minoritária na doutrina portuguesa, de forma a elucidar sobre algumas posições que existem acerca da matéria em questão.


Segundo FREITAS DO AMARAL, considera-se que «a delegação de poderes» é o ato pelo qual um órgão de uma pessoa coletiva pública habilita outro órgão, em regra da mesma pessoa coletiva, a exercer uma competência que continua a ser do primeiro órgão.


MARCELO REBELO DE SOUSA diverge, em parte, da posição de FREITAS DO AMARAL por considerar que «a delegação de poderes não se limita a transferir o exercício de certo ou certos poderes funcionais». Este Professor opta por considerar que se «transfere antes, e necessariamente, a titularidade e o exercício de algumas das faculdades contidas nesses poderes, embora nunca todos elas».


Em contrapartida, PAULO OTERO refere que «o ato de delegação não origina a perda ou transferência da competência do delegante», mais se adianta que «o delegante conserva os seus poderes, ele continua a ser competente para praticar os actos no âmbito das matérias objecto de delegação».


A posição de FREITAS DO AMARAL, a meu ver, continua a ser a posição que será mais contundente com a verdadeira definição de delegação de poderes, não só por ser aquela que mais se ajusta com o articulado do Código de Procedimento Administrativo, mas também por ser a posição que faz ver que a transferência de poderes para o delegado se prende somente com a sua transferência de exercício, a título precário e transitório. Portanto, a qualquer altura, o delegante poderá avocar para si as competências que delegou.


          §5.º - Consequências da sua exoneração


O Primeiro-Ministro, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 3.º, nos n.os 1 e 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei 32/2022, de 9 de maio, que aprova o Regime da Organização e Funcionamento do XXIII Governo Constitucional, e nos termos dos artigos 44.º a 50.º do Código de Procedimento Administrativo, delegou determinadas competências no seu Secretário de Estado, mas, tendo em conta a exoneração do mesmo, esta delegação caducou assim como todo e qualquer efeito proveniente da mesma.


Importa salientar que entre os dois órgãos não há nenhum vínculo jurídico de hierarquia a ligá-los, o que muitas vezes é induzido em erro por se considerar que o Primeiro-Ministro está hierarquicamente numa posição superior à do seu Secretário de Estado, mas efetivamente não há qualquer relação hierárquica estabelecida. O delegado não depende hierarquicamente do órgão que opera a delegação (delegante), podendo ser seu delegante ou adjunto (cfr. artigo 44.º n.º 3, 2ª parte, do CPA).


A exoneração do Secretário de Estado fez com que a delegação caducasse (cfr. Artigo 50.º n.º 2 do CPA). Existem três formas de se extinguir uma delegação de poderes que é através da anulação (fundamento em ilegalidade), revogação (fundamento em mérito, conveniência ou oportunidade) e por caducidade.


Como no caso em apreço a delegação de poderes caducou, esta será a forma de extinção aflorada. A caducidade da delegação de poderes pode ocorrer por dois fatores: a) esgotamento dos seus efeitos; b) substituição das pessoas do delegante e do delegado. Este facto resulta da circunstância da delegação de poderes ser qualificada como um ato intuitu personae, quer isto dizer que é um ato fundado entre aquelas pessoas em concreto e não outras.


A qualificação da delegação de poderes como um ato intuitu personae consubstancia a sua característica de irrenunciabilidade e intransmissibilidade. Ao contrário do que acontece em França, por exemplo, a delegação de poderes, em Portugal, é concebida numa perspetiva de, caso haja uma substituição dos titulares daquele órgão, a delegação tem de caducar e extinguir os seus efeitos, o que não acontece no Estado Gaulês. Neste sistema, a delegação é concebida como uma relação funcional entre órgãos, não ocorrendo a sua caducidade quando os titulares destes são substituídos.


A meu ver, o regime francês, encontra-se mais bem preparado para eventuais situações de exonerações de membros, e não só, uma vez que é muito mais prático proceder à sua substituição, já que a delegação de poderes manter-se-á em vigor, o que acarretará uma menor carga de trabalho para o órgão delegante.


Muito embora eu considere que este seja o sistema que melhor resposta dá aos casos de substituição na delegação de poderes, considero que o nosso sistema se encontra igualmente capaz de dar boa resposta a eventuais problemas. O nosso sistema opta por privilegiar a inalienabilidade e prende-se com o facto de ser um ato intuitu personae, o que efetivamente também é de relevante importância, premiando, neste caso, cada pessoa em concreto.


Em suma, a exoneração do Secretário de Estado Miguel Alves acarretará um trabalho acrescido para o Primeiro-Ministro - Dr. António Costa, já que terá de eleger um novo secretário e delegar-lhe, novamente, os poderes, que já tinha delegado. Evidentemente que esse acréscimo de trabalho não é relevante, em comparação com os efeitos políticos e judiciais que esta substituição provocará.


          §6.º - Bibliografia


CAUPERS, João. Introdução ao Direito Administrativo, Âncora Editora, 8ª edição, 2005, pp. 132 a 139.

DE SOUSA, Marcelo Rebelo. Lições de Direito Administrativo I, 1ª edição, Lisboa, 1995, pp. 235 a 240.

AMARAL, Diogo Freitas do Amaral. Curso de Direito Administrativo, Volume I, Almedina, 2ª edição, Coimbra 1994.

DE ALMEIDA, Mário Aroso. Teoria Geral do Direito Administrativo, Almedina, 8ª edição, Lisboa, 2021.

ANTÓNIO, Isa. Manual Teórico-Prático de Direito Administrativo, Almedina, 3ª edição, 2021.

OTERO, Paulo. A Competência Delegada no Direito Administrativo Português, Lisboa, 1987.

"Secretário de Estado Miguel Alves demite-se" https://www.jn.pt/nacional/secretario-de-estado-miguel-alves-demite-se-15339129.html" (visitado a 12 de novembro de 2022).


Gonçalo Avelar Henriques Duarte, n.º 66080, subturma: 15

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