Será a discricionariedade verdadeiramente livre no Direito Administrativo?

29-05-2023

Para que possamos responder à pergunta será preciso, em primeiro lugar, perceber o que é a discricionariedade e qual será a sua dimensão no Direito Administrativo.

Precisamos de saber, desde logo, que o Direito Administrativo, enquanto Direito Público, só pode agir segundo o que está estipulado pela lei, ao contrário do Direito Privado que se rege de acordo com o Princípio da Autonomia Privada, contudo, é impossível - e, mesmo que não fosse seria totalmente contraproducente - fixar de maneira prévia todas as decisões que devem ser tomadas pela Administração, não só porque há um conjunto infinito de situações, muitas delas impossíveis de prever ou de imaginar, mas também porque cada caso carece de especificidades que só a discricionariedade pode satisfazer.

Ora, tendo por ponto de partida a letra da lei, no artigo 56.º do Código do Procedimento Administrativo, doravante designado por CPA, é nos dito que na "ausência de normas jurídicas injuntivas, o responsável pela direção do procedimento goza de discricionariedade na respetiva estruturação, que, no respeito pelos princípios gerais da atividade administrativa, deve ser orientada pelos interesses públicos da participação, da eficiência, da economicidade e da celeridade na preparação da decisão.", esta disposição, inserida no Capítulo I da Parte III do Código, referente às disposições gerais do Procedimento Administratico, estipula o Princípio da adequação procedimental, que nada mais nos diz que na falta de normas que conduzam a sua ação, a direção do procedimento deve saber adotar medidas ou formular juízos que correspondam ao melhor caminho para satisfazer o interesse público.

Portanto, será o caminho da Discricionariedade aquele a tomar sempre que as decisões não se encontrem previamente determinadas pelo legislador - contudo, não será, à luz do direito que temos hoje, isto sinónimo de uma escapatória à subordinação da decisão perante a lei. O poder discricionário está intrinsecamente ligado ao Princípio da Legalidade - princípio este concretizado no artigo 3.º no mesmo Código e que, para o professor Diogo Freitas do Amaral, se traduz no facto dos órgãos ou agentes da Administração Pública só poderem "agir com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos".

Conseguimos, então, desde já perceber que o poder discricionário tem duas características absolutamente fundamentais: i) tem enquanto fonte a Lei, que permite a discricionariedade, sendo esta fonte, por isso, uma concessão legislativa e ii) está limitado pelos Princípios que regem o Direito Administrativo, presentes tanto no CPA como também na Constituição da República Portuguesa, mais especificamente no artigo 266.º, não havendo por isso decisões completamente discricionárias, já que estes princípios mantém uma vinculação jurídica permanente. Esta fórmula é a mais comum nos dias de hoje - a discricionariedade não é uma exceção ao princípio da legalidade mas sim um modo de configuração legal especial no seio da Administração.

Contudo, um dos grandes nomes do Direito Administrativo, o professor Marcello Caetano, terá tido uma percepção diferente daquela que temos agora, definindo o Poder discricionário enquanto algo situado à margem da lei e que não seria nem deveria ser controlado pelos Tribunais, por ser uma exceção ao princípio da legalidade.

O período Liberal deste Direito que aqui estudamos tende a ser radicalmente diferente dos períodos vividos durante os Estados Social e pós-Social, e neste caso esta relação não é diferente - havia uma ideia de discricionariedade enquanto poder livre ou de fora do direito, e, por ser exceção ao princípio acima referido, ela poderia não atuar em obediência à lei e poderia agir fora dos limites impostos por esta última.

Contudo, e percebendo ainda assim que este pensamento liberal foi brutalmente marcado por uma Administração agressiva, não faz sentido admitir nos dias de hoje esta visão completamente feroz do poder discricionário, já que à luz do artigo 4.º do CPA é sempre exigida aos órgãos da Administração Pública a prossecução dos interesses públicos e não poderão ser esses interesses, pela lógica, satisfeitos se a lei não for seguida - não fosse a segurança jurídica uma das principais aliadas dos particulares.

Por último, será importante dizer que grande parte da doutrina atual, entre os quais se encontram os professores José Carlos Vieira de Andrade, Rogério Soares e também Diogo Freitas do Amaral, para além ou mais importante ainda do que uma liberdade com os seus condicionalismos, a discricionariedade é uma competência, ou seja, ao consagrá-la, o texto legal não atribui uma liberdade mas sim a obrigação de encontrar, de maneira racional e seguindo os princípios, a melhor solução - ou seja, de seguir a mais célere, económica e eficaz das opções.

Por isso, e respondendo à pergunta, ao invés de uma verdadeira liberdade, a discricionariedade tem, no nosso ordenamento jurídico, uma liberdade juridicamente condicionada, se tanto.

AMARAL, DIOGO FREITAS, Curso de Direito Administrativo, volume II

CAETANO, MARCELO, Manual de Direito Administrativo - Vol. I

ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA, Lições de Direito Administrativo

SOARES, ROGÉRIO EHRHARDT, Direito Administrativo

CAUPERS, JOÃO, Introdução ao Direito Administrativo


Sofia Tiago Almeida, número 66411

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