Será o Direito Administrativo de hoje “A(u)tocentrado”?

28-05-2023

Para responder a esta pergunta explicaremos, primeiramente, o ato administrativo.

A sua definição é-nos dada pelo artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo, onde se diz que se consideram "atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta", apesar desta noção, o conceito de ato administrativo é muito discutido, em especial, pela sua evolução e mudança ao longo do tempo.


O antigo direito administrativo, ou, por outras palavras, o direito administrativo agressivo - não aceitava os direitos subjetivos dos particulares no seio da administração pública - era completamente ato cêntrico, o que significa que centrava toda a sua atividade e modos de ação no ato administrativo.


Mas para que possamos perceber melhor esta questão, será preciso enquadrar o período que aqui vivíamos: o do positivismo jurídico, como nos diz muitas vezes o Professor Regente Vasco Pereira da Silva, "filho" do período liberal - aliás, onde, por breve nota, terá surgido este tipo de decisão neste ramo do direito -, período este onde grande parte da doutrina, em todas as áreas e não só nas do direito público e administrativo, procurava um conceito chave, essencial para desenvolver a partir dele toda a sua disciplina.

Ora, este conceito-chave escolhido pela doutrina positivista foi o ato administrativo. Então, o direito administrativo, durante esta fase autoritária, cresceu à volta do ato, desenvolvendo-se dentro dos limites deste tipo de decisões.


Esta moda positivista passou por toda a Europa e Portugal não foi exceção, embora, como em tudo o resto, tenha chegado atrasada. Terá sido o professor Marcello Caetano, que trabalhando para a manutenção do regime autoritário que vivíamos durante o Estado Novo, decidiu que uma estrutura liberal seria a mais apropriada para prosseguir os interesses do Estado em que então vivíamos.

Mas porque é que se escolheu uma ideia tão liberal num Estado ditatorial? Bem, o liberalismo era marcado pela administração agressiva, que não dava particular importância aos direitos dos particulares, o direito que aqui estudamos impunha-se aos cidadãos. Para um Estado ditatorial este é um sonho tornado realidade, não querendo colaborar com os particulares nem querendo resolver os seus problemas, o propósito deste tipo de administração era, sobretudo, o de ter um mecanismo que fosse capaz de pôr em prática tudo o que o governo decidia autonomamente, sem, claro está, a participação dos cidadãos, por isso, apesar de liberal, esta agressividade tornou-se um comportamento ideal para um Estado que queria controlar todos os aspetos da vida dos cidadãos sem que ele próprio fosse controlado e sem que estes últimos tivessem meios de defesa próprios.

Relembramos agora a noção do professor Marcello Caetano sobre ato administrativo: "conduta voluntária de um órgão da Administração que, no exercício de um poder público e para a prossecução dos interesses postos por lei a seu cargo, produza efeitos jurídicos no caso concreto", nada de melhor um Estado deste tipo poderia querer, tínhamos um tipo de decisão legalmente prevista que atribuia à administração o poder de fazer o que quisesse, sob desculpa da prossecução dos próprios interesses.


Por ser favorável ao Estado e por ser moda da doutrina, esta obsessão pelo ato administrativo isolou quase todos os juristas na sua noção e atuação - estudando-se assim apenas o procedimento nos termos da definição de ato e, como nos disse o professor Regente numa das suas aulas teóricas, o "acto administrativo era tudo e todas as coisas".


Contudo, com o surgimento do Estado Social, o principal motor da administração já não era o de controlar e decidir a vida dos cidadãos, mas sim o de os auxiliar e prosseguir os seus interesses. Por isso, tendo sido radicalmente trocada esta vontade central da Administração Pública, ter-se-á aberto espaço para estudar e explorar outros métodos para que ela pudesse atuar - passando assim o ato a ser apenas uma das diversas formas de atuação que tinha a administração pública. Ou seja, agora, como a vontade que aqui se quer satisfazer não é a autoritária do Estado mas sim a dos cidadãos, há abertura para escolher qual das formas irá de melhor forma satisfazer esse interesse - podendo ser escolhidos, para além do ato, um contrato, plano, regulamento, recomendação, entre outros.


Portanto, o ato administrativo no Estado pós-social não passa de mais uma das várias formas de atuação que a administração dispõe. Hoje em dia, como podemos observar, não há um manual ou uma doutrina que centre todo o modo de atuação deste direito no ato administrativo, existem várias formas de atuar, várias formas de ajudar e vários meios estudados que ultrapassam, e muito, este ato.


Por isso, concluímos respondendo negativamente à pergunta que nos foi colocada, por sabermos, com toda a certeza, que o direito administrativo contemporâneo terá ultrapassado esta obsessão com o ato administrativo, buscando novas formas, muitas vezes mais eficientes e céleres, de prosseguir os interesses.


AMARAL, DIOGO FREITAS, Curso de Direito Administrativo, volume II

CAETANO, MARCELLO, Manual de Direito Administrativo - Vol. I

CAUPERS, JOÃO, Introdução ao Direito Administrativo



Sofia Tiago Almeida, número 66411


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