Traumas
Com base na doutrina do professor Vasco Pereira da Silva, é importante prestar atenção a dois traumas fundamentais relacionados com a origem do Direito Administrativo. O primeiro trauma é o Trauma de Origem, que se refere às circunstâncias do nascimento do Direito Administrativo durante a Revolução Francesa. Neste período, surgiram os tribunais administrativos na França, que deram origem a uma dimensão jurisprudencial no âmbito do Direito Administrativo.
No entanto, o modo como estes tribunais foram concebidos e atuaram durante séculos é considerado um grande trauma. Os revolucionários franceses pretendiam instaurar um modelo de organização política baseado na separação de poderes, mas acabaram por retirar a justiça administrativa do poder judicial e conceder este poder à administração pública. Isso significa que a administração pública julgava a si mesma, o que levanta dúvidas sobre a diferença entre julgar e administrar e vai contra os princípios fundamentais de Locke e Montesquieu.
Este é considerado o primeiro trauma profundo do Direito Administrativo, que ainda hoje é sentido em países como Portugal e França. No entanto, a França criou um órgão administrativo mais independente, o Conselho de Estado, que ainda hoje julga a administração como dois órgãos independentes.
Em Portugal, os orgãos eram denominados de
tribunais, tribunais estes que até 1976 eram orgãos do poder administrativo e
estavam integrados na presidência do conselho de ministros. O Supremo Tribunal
Administrativo não era um orgão plenamente jurisidicional, era meio
administrativo meio jurisdicional. Para além disso, no quadro do direito de
português não havia uma forma de obrigar a administração a cumprir as sentenças
do tribunal administrativo como se fosse "um quadro de processo gracioso"
(Marcelo Caetano), como se administração estivesse de acordo cumpria, se não
quisesse não cumpria - não havia forma de obrigar a cumprir. Enquanto não houvesse
sentença não estamos perante verdadeiros tribunais jurisdicional. O juiz
administrador (1976 a 2004)- era um juiz que não podia condenar nem dar ordens
no domínio dos atos administrativos e dos regulamentos, ele podia anular as
decisões, mas não podia condenar nem dar ordens. No domínio essencial os atos
do juiz estavam limitados. Foi preciso esperar pela reforma de 2004 para que o
juiz administrador se torna-se um juiz igual aos outros. Este trauma de origem,
é um trauma que não se resolve de um dia para outro e teve que haver uma
evolução no quadro da justiça administrativa. 1º Fase do "pecado original" -
corresponde aos sinais do séc. XVIII e XIX- período em que se verifica uma
confusão entre administrar e julgar. Temos três momentos: 1º momento: 1789 a
1799 - sistema da justiça reservada (tradução francesa do prof. Marcelo
Caetano) - aqui não havia sequer qualquer distinção entre quem actuava e quem
julgava - era o orgão administrativo que se julgava a si mesmo. Havia também um
ligeiro distanciamento pois era o superior hierárquico que dava a decisão
final, mas não era um entidade exterior. 2º momento: 1789 a 1872 - marcado pelo
surgimento do Conselho de Estado (orgão administrativo especial, autónomo e
independente que não estava no quadro da cadeira decisória - em França foi
concebido como um orgão administrativo e judicial ao mesmo tempo; Napoleão
afirmou que era o órgão consultivo da administração, mas simultaneamente podia
ter uma função judicial; isto porque ao estar mais afastado dos problemas, este
Conselho estava em condições de proceder a uma lógica de julgamento da
atividade da administração (as decisões jurisdicionais eram almoedas pelo chefe
de estado). Aqui ainda vigorava o sistema da justiça reservada. 3º momento:
1872 a 1889 – sistema de justiça delegada – o sistema teve alguma alteração,
mas que não foi substancial e que não alterou a natureza do que estava em
causa. Foi em 1872 que nasceu a justiça administrativa (nas palavras de FA,
Marcelo Caetano). O professor, não concorda. A partir desta data e até 1889 o
Conselho continua a ser um órgão da administração Em como a justiça é delegada,
o chefe de governo delegava no conselho de estado o poder de decidir. O
conselho não tinha poderes próprios. Assim, o Conselho de Estado não era autónomo.
O órgão delegante podia: avocar; revogar a delegação de poderes; revogar o ato
praticado. Logo, não foi em França que surgiu a justiça administrativa. Esta
fase no final significou uma maior autonomia mas no quadro de poderes
administrativos. 4º momento: caso de 1889 – acórdão CADOT que diz que a partir
daquele momento não faz sentido que continue a existir a lógica do ministro
juiz. O que significa que até a este acórdão, o particular antes de ir a
"tribunal" devia solicitar à administração que esta se pronuncia-se, devendo
recorrer ao governo através de um recurso hierárquico. E depois haveria uma
decisão de segunda instância que cabia ao Conselho de Estado, actuando como uma
espécie de tribunal de recurso das decisões do ministro. O Ministro era a 1ª instancia
da justiça administrativa.O juiz do Conselho de Estado era um tribunal de
recurso - esta realidade vem durar até aos nossos dias, é um trauma que perdura
em Portugal. Os restantes países, por via das respetivas revoluções liberais,
adotam o sistema da justiça reservada e logo a seguir da justiça delegada. Os
mesmos criam pela via legislativa esta dimensão estranha do pecado original e
da confusão – criam os seus próprios Conselhos de Estado. Na transição do séc.
XIX para o séc. XX os outros países que com as revoluções liberais e que também
tinham criado a justiça administrativa, tiveram uma evolução legislativa que,
na transição do estado liberal para o estado social, levou a que os Tribunais
administrativos se autonomizassem e se tornassem verdadeiros tribunais. Em
Portugal esta viragem leva muito mais tempo. A judicialização do conselho de
estado em Portugal e em França é bastante mais lenta. Em Portugal é ainda mais
lenta (porque em França o acórdão cadot leva a uma evolução palatina neste sentido).
Há situações patológicas no passado, a realidade hoje é diferente, e hoje em
dia tem a ver com o que o Dr., Freud diz, há uma realidade que se manifesta
inconscientemente (psicopatologia da vida quotidiana). Olhando para o direito
administrativo que hoje em dia estamos numa situação em que ja nação patologias
graves (forma superadas, as últimas forma superadas com a reforma do direito
administrativo de 2004). O Dr. Freud ensinou-nos que todos nos tempos traumas e
que temos de aprender com eles.
Bernardo Pereira de Lima 66108